2011/02/20




Greed showing shamelessly her naked money
And all love's wandering eloquence debased
To a collector's slang. Smartness in furs
And Beauty scratching miserably for food,
Honour self-sacrificed for Calculation
And reason stoned by mediocrity,
Freedom by power shamefully maltreated
And Justice exiled till Saint Geoffrey's Day.

W. H. AUDEN (1907-1973), U.K.
in “To a Writer on His Birthday”, 1935




A ganância mostra descaradamente o seu dinheiro nu
E toda a eloquência errante do amor se rebaixa
Em gíria de cobrador. A esperteza veste-se de peles
E a Beleza na miséria esgravata alimento,
A Honra sacrifica-se ao Calculismo
E a razão embebeda-se com mediocridade,
A Liberdade é vergonhosamente maltratada pelo poder
E a Justiça exilou-se até ao Dia de São Nunca.

2011/01/13


Then the wireless would project the rounded opinions of the Any Questions? panel: glib MP's, worldly bishops, professional wise men like A. J. Ayer, and amateur, self-made sages. Mum would award them interjectory ticks - «Talks a lot of sense» - or crosses - anything from «Stupid fool!» up to «Ought to be shot.» On another day the wireless would disgorge The Critics, a band of suave aesthetic experts droning on about plays we would never see and books that never came into the house. My brother and I would listen with a kind of stunned boredom, which was not just of the present, but anticipatory: if such opinion-giving and -receiving was what adulthood contained, then it seemed not merely unattainable, but actively undesirable.

JULIAN BARNES, U.K.,
in Nothing to Be Frightened Of, 2008



A telefonia emitia as opiniões perfeitas dos convidados de Any Questions? ― deputados loquazes, bispos mundanos, profissionais sérios como A. J. Ayer e sábios amadores, autodidactas. A minha mãe outorgava-lhes vistos exclamativos e aprovadores ― «Faz todo o sentido» ― ou cruzes de reprovação ― de «Imbecil!» a «Devia ser abatido.» De outras vezes a telefonia debitava The Critics, um bando de críticos literários suaves, que falavam interminavelmente de peças que nunca veríamos e de livros que nunca entravam lá em casa. Eu e o meu irmão ouvíamos com uma espécie de tédio aturdido que, do presente, via já o futuro: se era neste dar e receber de opiniões que consistia a idade adulta, então ela parecia-nos não só inatingível como francamente indesejável.

2010/12/30


At dawn she lay with her profile at that angle
Which, when she sleeps, seems the carved face of an angel.
Her hair a harp, the hand of a breeze follows
And plays, against the white cloud of the pillows.
Then, in a flush of rose, she woke, and her eyes that opened
Swam in blue through her rose flesh that dawned.
From her dew of lips, the drop of one word
Fell like the first of fountains: murmured
«Darling,» upon my ears the song of the first bird.
«My dream becomes my dream,» she said, «come true.
I waken from you to my dream of you.»
Oh, my own wakened dream then dared assume
The audacity of her sleep. Our dreams
Poured into each other's arms, like streams.


STEPHEN SPENDER, U.K., Daybreak, c. 1947



Ao amanhecer está deitada com o perfil nesse ângulo
Que, adormecido, parece o rosto cinzelado de um anjo.
O cabelo é harpa, a mão da brisa segue-o
E toca, sobre a nuvem branca de almofadas.
Então, num assomo rosa, despertou, e os olhos que se abriram
Nadaram em azul por entre a rosada carne que amanhecia.
Do orvalho feito lábios, caiu a gota de uma palavra
Como a primeira das fontes: «Querido,» foi o canto
Que a primeira ave aos meus ouvidos murmurou.
«O meu sonho torna-se meu sonho,» disse, «feito realidade.
Acordo de ti para sonhar contigo.»
Ah, o meu próprio sonhar acordado ousou então alcançar
A audácia do sono dela. Os nossos sonhos
Correram para os braços um do outro, como cursos de água.

2010/10/09

William Butler Yeats, U.K., 1865-1939

Time that is intolerant Of the brave and the innocent, And indifferent in a week To a beautiful physique, Worships language and forgives Everyone by whom it lives; Pardons cowardice, conceit Lays its honours at their feet W. H. AUDEN, U.K. in "In Memory of W. B. Yeats", 1939 (posted by cyberiticus.blogspot.com) O tempo que não tolera Os bravos e os inocentes, E numa semana se desinteressa De um físico atraente, Venera a linguagem e perdoa A quantos ela segue; Perdoa a cobardia, e a vaidade Lança-lhes honras aos pés.

2010/08/16


«No, Lily, I didn't know. How could I tell?»
«That's part of it, you see. She just got three letters from college friends, and they're all busy acting like boys. She wants to try new things. Which for her means anything that isn't the missionary position.»
«... Why's it called the missionary position?»
«Because the missionaries,» said Lily, «told the natives to stop doing it like dogs and start doing it like missionaries.»
«Christ, the nerve of it. No, really. The nerve of it. Still. Fascinating.»

MARTIN AMIS, U.K, in The Pregnant Widow, 2010


- Não, Lily, não sabia. Como é que eu ia adivinhar?
- Faz parte, não vês? Ela recebeu três cartas de amigos da faculdade, que andam ocupadíssimos a ser rapazes. E quer experimentar coisas novas. O que para ela significa tudo menos a posição do missionário.
- Porque é que se chama posição do missionário?
- Porque os missionários - disse Lily, - diziam aos nativos que deixassem de fazer aquilo como os cães e passassem a fazer como os missionários.
- Céus, que lata. Realmente. Que lata. Mas ainda assim. Fascinante.

2010/07/18


Snout. Doth the moon shine that night we play our play?
Bottom. A calendar, a calendar! Look in the almanack; find out moonshine, find out moonshine.
Quince. Yes, it doth shine that night.
Bottom. Why, then may you leave a casement of the great chamber window, where we play, open; and the moon may shine in at the casement.

WILLIAM SHAKESPEARE, U.K.,
in A Midsummer Night's Dream, Act Three, Scene I (1594)



Snout. Há luar na noite em que representamos a nossa peça?
Bottom. Um calendário, um calendário! Vede no almanaque; procurai luar, procurai luar.
Quince. Sim, nessa noite há luar.
Bottom. Então podereis deixar uma portada da janela da grande câmara, onde representamos, aberta; e o luar há-de passar pela portada.

2010/06/07


A common response in surveys of religious attitudes is to say something like, «I don't go to church, but I have my own personal idea of God.» This kind of statement makes me in turn react like a philosopher. Soppy, I cry. You may have your own personal idea of God, but does God have His own personal idea of you? Because that's what matters. Whether He's an old man with a white beard sitting in the sky, or a life force, or a desinterested prime mover, or a clockmaker, or a woman, or a nebulous moral force, or Nothing At All, what counts is what He, She, It or Nothing thinks of you rather than you of them. The notion of redefining the deity into something that works for you is grotesque. It also doesn't matter whether God is just or benevolent or even observant - of which there seems startlingly little proof - only that He exists.

JULIAN BARNES, U.K.
in Nothing To Be frightened Of, 2008


Uma reacção comum em estudos sobre comportamentos religiosos é dizer algo do género: «Eu não vou à igreja, mas tenho cá a minha ideia de Deus.» Este tipo de afirmação faz-me reagir como filósofo. Lamechas, exclamo. Podes ter lá a tua ideia de Deus, mas Deus terá uma ideia sobre ti? Porque isso é que interessa. Seja Ele um velho de barbas brancas sentado no céu, uma força vital, uma causa primeira desinteressada, um relojoeiro, uma mulher, uma nebulosa força moral ou Absolutamente Nada, o que conta é a ideia que Ele ou Ela ou Uma Coisa ou Nada faz de nós e não a ideia que nós fazemos dela. É grotesca a ideia de transformar a divindade em algo que nos convém. Também não importa se Deus é benévolo ou mesmo atento ― a prova parece assustadoramente pequena. Importa é se Ele existe.

2010/05/12


Les dieux eux-mêmes meurent.
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains.

THÉOPHILE GAUTIER, França,
in Émaux et Camées, 1857




Os próprios deuses morrem.
Mas, soberana,
A poesia fica,
Mais forte do que o bronze.

2010/04/15


Thus shall my heart be still combined with thine
Until our bodies turn to elements,
And both our souls aspire celestial thrones.

CHRISTOPER MARLOWE,
in "Tamburlaine the Great", Londres, 1590



Assim ficará meu coração preso no teu
Até nossos corpos se tornarem elementos,
E nossas almas subirem aos celestes tronos.

2010/03/22


A body on the morning after love is a jungle of smells,
inexplorable as a swamp, its sex closed.
A city after two or three weeks of being lived in,
accumulating its more and more exasperated skyscrapers,
becomes a terrified hermaphrodite looking for itself.
Male endures, female forgets.

NATHANIEL TARN, U.S.A.
in Old Savage/Young City, 1964



Um corpo na manhã a seguir ao amor é uma selva de cheiros,
inexplorável como um pântano, de sexo fechado.
Uma cidade após duas ou três semanas de se viver nela,
de acumular arranha-céus cada vez mais exasperados,
torna-se um hermafrodita aterrado à procura de si mesmo.
O macho aguenta, a fêmea esquece.

2010/03/15


Close the portals; pile the hearth;
Strike the harp; the feast pursue;
Brim the horns: fire, music, mirth,
Mead and love, are winter's due.
Spring to purple conflict calls
Swords that shine on winter's walls.

THOMAS L. PEACOCK, U.K.,
in The Brilliancies of Winter, c. 1810




Fechai os portões; enchei o fogão;
Tocai a harpa; segui em festa;
Enchei as taças: lume, música, alegria,
Mel e amor são do Inverno.
A Primavera leva a luta acesa
Às espadas que brilham nos muros do Inverno.

2010/02/21


To the (Supposed) Patron - conclusion

For his delight and his capacity
To absorb, freshly, the inside-succulence
Of untoughened sacrifice, his bronze agents
Speculate among convertible stones
And drink desert sand. That no mirage
Irritate his mild gaze, the lewd noonday
Is housed in cool places, and fountains
Salt the sparse haze. His flesh is made clean.
For the unfallen - the firstborn, or wise
Councillor - prepared vistas extend
As far as harvest; and idyllic death
Where fish at dawn ignite the powdery lake.

GEOOFREY HILL, U.K.
in For the Unfallen, 1958



Ao (Suposto) Mecenas - conclusão

Para seu deleite e pela sua capacidade
De absorver, vigorosamente, o interior suculento
Do sacrifício destemperado, agentes brônzeos
Especulam entre calhaus descapotáveis
E bebem areia do deserto. Para que nenhuma miragem
Lhe irrite o brando olhar, o meio-dia lascivo
É acomodado em locais frescos, e há fontes
A salgar a névoa esparsa. A sua carne é limpa e preparada.
Para os que não sucumbiram – o primogénito, ou
Conselheiro sagaz – há vistas panorâmicas que se estendem
Mesmo até à colheita; e uma morte idílica, onde
Ao alvorecer os peixes incendeiam o lago empoeirado.

2010/02/17


To the (Supposed) Patron

Prodigal of loves and barbecues,
Expert in the strangest faunas, at home
He considers the lilies, the rewards.
There is no substitute for a rich man.
At his first entering a new province
With new coin, music, the barest glancing
Of steel or gold suffices. There are many
Tremulous dreams secured under that head.

GEOFFREY HILL, U.K.,
in For the Unfallen, 1958



Ao (Suposto) Mecenas

Pródigo em amores e em churrascos,
Especialista nas faunas mais esquisitas, em casa
Ele contempla lírios, galardões.
Nada há que substitua um homem rico.
Ao entrar pela primeira vez em território novo
Com a moeda nova, a música, basta
Do aço, do ouro o fulgor nu. Naquela cabeça
Estão presos muitos sonhos receosos.

2010/01/29



Dieu a fabriqué le monde comme une grande machine que sa seule sagesse pouvait inventer, que sa seule puissance pouvait construire. O homme! Il t'a établi pour t'en servir; il a mis, pour ainsi dire, en tes mains toute la nature pour l'appliquer à tes usages; il t'a même permis de l'orner et de l'embellir par ton art: car qu'est-ce autre chose que l'art, sinon l'embellissement de la nature? Tu peux ajouter quelques couleurs pour orner cet admirable tableau; mais comment pourrais-tu faire remuer tant soit peu une machine si forte et si délicate, ou de quelle sorte pourrais-tu faire seulement un trait convenable dans une peinture si riche, s'il n'y avait en toi-même et dans quelque partie de ton être quelque art dérivé de ce premier art, quelques secondes idées tirées de ces idées originales, en un mot, quelque ressemblance, quelque écoulement, quelque portion de cet Esprit ouvrier qui a fait le monde?

JACQUES-BÉNIGNE BOSSUET, França,
in "Sermon sur la Mort", 1662


Deus fabricou o mundo como uma grande máquina que só a sua sabedoria podia inventar, que só o seu poder podia construir. Ó homem! Instalou-te para dele te servires; pôs, por assim dizer, em tuas mãos toda a natureza para a aplicares nos teus trabalhos; até permitiu que a ornamentasses e embelezasses com a tua arte; pois o que é a arte, senão embelezamento da natureza? Podes acrescentar algumas cores para ornar esse quadro admirável; mas como poderias alterar, ainda que pouco, máquina tão forte e tão delicada, ou de que modo poderias fazer um só risco ajustado a tão rica pintura, se não houvesse em ti próprio e em alguma parte do teu ser uma arte derivada dessa primeira arte, ideias segundas tiradas das ideias originais, enfim, uma semelhança, um derivar ou porção desse espírito laborioso que fez o mundo?

2010/01/19


If you can still see how you could once have loved a person, you are still in love; an extinct love is always wholly incredible. One day not too long ago, in Laguna Beach, California, an architect named Bobby Lazar, went downtown to have a cup of coffee at the Café Zinc with his friend Albert Wong and Albert’s new wife, Dawn (who had, very sensibly, retained her maiden name). Albert and Dawn were still in that period of total astonishment that follows a wedding, grinning at each other like two people who have survived an air crash without a scratch, touching one another frequently, lucky to be alive. Lazar was not a cynical man and he wished them well, but he had also been lonely for a long time, and their happiness was making him a little sick.

MICHAEL CHABON, E.U.A., Ocean Avenue,
in “A Model World”, 1991


Se ainda conseguimos perceber como pudemos amar uma pessoa, ainda estamos apaixonados; um amor extinto é sempre totalmente inconcebível. Um dia, não há muito tempo, em Laguna Beach, Califórnia, um arquitecto chamado Bobby Lazar foi ao Café Zinc tomar um café com o amigo Albert Wong e a sua nova mulher, Dawn (que, muito sensatamente, mantivera o apelido de solteira). Albert e Dawn ainda se encontravam no período de completo assombro que se segue ao casamento, a sorrirem um para o outro como duas pessoas que sobrevivem a um desastre aéreo sem uma beliscadura e se tocam constantemente, felizes por estarem vivas. Lazar não era cínico e desejava-lhes tudo de bom, mas estava sozinho há muito tempo e a felicidade deles enjoava-o um bocado.

2010/01/12



Mir ist oft, daß ich fragen müßt:
Du, Mutter, was hast du gesungen,
eh deinem blassen, blonden Jungen
der Schlaf die Wangen warm geküßt?

Hattest du damals sehr viel Gram?
Und weißt du, wie du aufgesprungen,
wenn deinem blassen, blonden Jungen
im tiefen Traum ein Weinen kam?

RAINER MARIA RILKE, Áustria,
in "Erste Gedichte - Advent", 1898



Sinto por vezes vir-me esta pergunta:
Mãe, que cantavas tu,
antes que o sono beijasse as faces
do teu menino pálido e loiro?

Tinhas então muitos desgostos?
E lembras-te como saltavas assustada
quando em profundo sonho chorava
o teu menino pálido e loiro?

(tradução de PAULO QUINTELA, Portugal, 1942)

2010/01/04



Un jour d’épaules nues
Où les gens s’aimeront
Un jour comme un oiseau
Sur la plus haute branche.

LOUIS ARAGON, França, 1897-1972,
in "Un jour, un jour"



Um dia de ombros nus
Em que as pessoas se amarão
Um dia como um pássaro
Sobre o ramo mais alto.


(para Miguel von Gilsa, 1963-2008)

2010/01/01




E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente.
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.


LUÍS DE CAMÕES, Portugal,
in "Os Lusíadas", Canto IX, 1572

2009/12/31


Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.


LUÍS VAZ DE CAMÕES, Portugal,
in "Os Lusíadas", Canto X, 1572

2009/12/25


Costard. An I had but one penny in the world, thou shouldst have it to buy gingerbread.

WILLIAM SHAKESPEARE, U.K.,
in "Love's Labour's Lost", 1592



Costard. Tivesse eu o único centavo do mundo, era teu para comprares bolo de gengibre.

2009/12/19


Gustave understood nothing of this. He was the sort of person who might, after much hard study, have finally learnt two phrases from the language of flowers: the gladiolus, which when placed at the centre of a bouquet indicates by the number of its blooms the hour for which the rendezvous is set; and the petunia, which announces that a letter has been intercepted. He would understand such rough and practical uses.

JULIAN BARNES, U.K., in "Flaubert's Parrot", 1984



Gustave não percebia nada disto. Era o género de pessoa que podia, depois de muito estudar, aprender finalmente duas frases da linguagem das flores: o gladíolo que, colocado ao centro dum ramo, indica pelo número dos seus botões a hora a que está marcado o encontro; e a petúnia, que anuncia que uma carta foi interceptada. Usos assim, práticos e rudimentares, ele entendia.

2009/11/29



The picture is La Pelisse, now in Vienna

Now sinking towards age, I paint your rising.
Your flesh glows with my sunset. You wrap close
A dark fur robe, which clothes and half unclothes
you.
Each little movement brushes the rich texture
Agains thigh, buttock, breast. And now I serve
More fiercely than I did our wedding night
Your pearly substance.


EDWARD-LUCIE SMITH, Jamaica,
in "Rubens to Helene Fourment", Towards Silence (1968)




O quadro é La Pelisse, actualmente em Viena

Agora que me afundo na idade, pinto a tua ascensão.
Tua carne resplandece no meu ocaso. Cinges
Um escuro manto de pele, que te cobre e
descobre.
Cada pequeno gesto arrasta a textura opulenta
Pela coxa, nádega, seio. Venero agora
Mais ferozmente do que na nossa noite de núpcias
A tua substância nacarada.

2009/11/01





And while we're on the subject, I think the company of saints might be distinctly interesting. Many of them led exciting lives - dodging assassins, confronting tyrants, preaching at medieval street corners, being tortured - and even the quieter ones could tell you about beekeeping, lavender-growing, Umbrian ornithology, and so on. Dom Perignon was a monk, after all. You might have been hoping for a broader social mix, but if it "has been arranged", then the saints would keep you going for longer than you might expect.

JULIAN BARNES, U.K.
in Nothing To Be Frightened Of, 2008



Já que falamos no assunto, acho que a companhia dos santos será francamente interessante. Muitos levaram vidas emocionantes - assassinos furtivos, tiranos conflituosos que prègavam em esquinas medievais e eram torturados - e até os mais discretos nos falarão de apicultura, produção de lavanda, ornitologia da Úmbria e por aí fora. Dom Pérignon era monge, aliás. Poderemos aspirar a uma maior mistura social mas, se alguma coisa "nos está destinada", então os santos confortar-nos-ão por muito mais tempo do que imaginámos.

2009/10/28


A pondering frog looks
out from my eyes:

dark-red, veiled blue, plums
roll to the center of a bowl

and at close horizon water-towers
hump and perch.

DENISE LEVERTOV, U.K.,
in The Communion, 1961



Uma rã pondera, olha
pelos meus olhos:

vermelhas e escuras, veladas de azul, ameixas
rolam para o centro duma taça

e no horizonte próximo vergam-se
e ascendem torres de água.

2009/09/22


Of the things we fashioned for them that they might be comforted, dawn is the one that works. When darkness sifts from the air like fine soot and light spreads slowly out of the east then all but the most wretched of humankind rally. It is a spectacle we enjoy immortals, this minor daily resurrection, we will often gather at the ramparts of the clouds and gaze upon them, our little ones, as they bestir themselves to welcome the new day. What a silence falls upon us then, the sad silence of our envy. Many of them sleep on, of course, careless of our cousin's charming Aurora matutinal trick, but there are always the insomniacs, the restless ill, the lovelorn solitary tossing on their beds, or just the early-risers, the busy ones, with their knee-bends and their cold showers and their fussy little cups of black ambrosia. Yes, all who witness it greet the dawn with joy, more or less, except of course the condemned man, for whom first light will be the last, on earth.

JOHN BANVILLE, Irlanda,
in The Infinities, 2009



Das coisas que concebemos para poder confortá-los, o amanhecer é a que dá efeito. Quando a escuridão se separa do ar, fina como fuligem branda e a luz sai de leste e se espraia lentamente, então toda a espécie humana, com excepção dos mais desgraçados, recupera. É um espectáculo que nós, imortais, apreciamos, essa pequena ressurreição diária; quase sempre nos reunimos nos parapeitos das nuvens e fitamos lá em baixo os nossos petizes, enquanto eles se alvoroçam para acolher o novo dia. Abate-se então sobre nós um silêncio! O silêncio triste da inveja. Muitos deles ainda dormem, é claro, indiferentes ao fascinante truque matutino da nossa prima Aurora, mas há sempre os insones, os doentes agitados, os infelizes no amor, às voltas em camas solitárias, ou os simples madrugadores, atarefados com as flexões e os duches frios e as chaveninhas extravagantes de ambrósia negra. Sim, todos os que vêem o amanhecer saúdam-no com alegria maior ou menor, excepto obviamente o condenado, para quem a primeira luz será última, na Terra.

2009/09/06

2009/09/05

One afternoon I was sitting outside the Café de la Paix, watching the splendour and shabbiness of Parisian life, and wondering over my vermouth at the strange panorama of pride and poverty that was passing before me, when I heard some one call my name.

OSCAR WILDE, Irlanda,
in "The Sphinx Without a Secret", 1894



Uma tarde, estava eu sentado na esplanada do Café de la Paix, a observar o esplendor e miséria da vida parisiense e a pensar, enquanto bebia o meu vermute, na estranha paisagem de orgulho e pobreza que me passava diante dos olhos, quando ouvi chamar o meu nome.

2009/08/29


Ce que tu as gâché, que tu as laissé se gâcher et qui te gêne et te préoccupe, ton échec est pourtant cela même, qui ne dormant pas, est énergie, énergie surtout. Qu'en fais-tu?
...................................................................................
Tu es contagieux à toi-même, souviens-t'en. Ne laisse pas «toi» te gagner.

HENRI MICHAUX, França,
in "Poteaux d'Angle", 1971



O que estragaste, o que deixaste estragar e te incomoda e preocupa - o teu fracasso - é isso, não dorme e é energia, sobretudo energia. O que fazes com ele?
...................................................................................
És contagioso para ti mesmo, lembra-te. Não deixes que o «tu» te vença.

2009/08/16

Henri Fantin-Latour, Le Coin de Table, 1872 (pormenor)

A quatre heures du matin, l’été
Le sommeil d’amour dure encore.
Sous les bocages s’évapore
L’odeur du soir fêté.

Là-bas, dans leur vaste chantier
Au soleil des Hespérides,
Déjà s’agitent ― en bras de chemise ―
Les Charpentiers.

Dans leurs Déserts de mousse, tranquilles,
Ils préparent les lambris précieux
Où la ville
Peindra de faux cieux.

O, pour ces Ouvriers charmants
Sujets d’un roi de Babylone,
Vénus! quitte un instant les Amants
Dont l’âme est en couronne.

O Reine des Bergers,
Porte aux travailleurs l’eau-de-vie,
Que leurs forces soient en paix
En attendant le bain dans la mer à midi.


ARTHUR RIMBAUD, França
in “Une Saison en Enfer”, 1873



Às quatro da manhã, no Verão
O sono de amor dura ainda.
Sob os arbustos evapora-se
O odor da noite festejada.

Lá longe, no vasto estaleiro
Ao sol das Hespérides,
Já se agitam ― em mangas de camisa ―
Os Carpinteiros.

Nos Desertos de espuma, tranquilos,
Preparam os lambris preciosos
Onde a cidade
Pintará falsos céus.

Oh, pelos Operários encantadores
Súbditos dum rei da Babilónia,
Vénus! deixa um instante os Amantes
Cuja alma se engalanou.

Ó Rainha dos Pastores,
Leva aos trabalhadores a aguardente,
Que as suas forças se aquietem
Enquanto esperam o banho no mar ao meio-dia.

2009/08/08



O mais extraordinário nesta evolução consiste em os políticos, sucessivamente e enquanto classe profissional, terem acabado por se definir como um «Demi Monde», onde o número dos seus elementos que vive na fronteira do crime ou a ultrapassa só tem aumentado e nunca diminuído. A decadência moral e espiritual a que este fenómeno conduz está perfeitamente visível na institucionalização do cinismo, aquela atitude por meio da qual uma significativa maioria de pessoas hoje sabe que o facto de um político fazer uma asserção aumenta a possibilidade de esta ser falsa.

M. S. LOURENÇO, Portugal, 1936-2009
in "Os Degraus do Parnaso", 1991

2009/08/01


Well, it was a feminine household, and for that reason perhaps Gina felt less foreign in New York. She said that she loved the city, it had so many accommodations for women specifically. Everybody who arrived, moreover, already knew the place because of movies and magazines, and when John Kennedy said he was a Berliner, all of Berlin could have answered, "So? We are New Yorkers." There was no such thing as being strange here, in Gina's opinion.


SAUL BELLOW, Canada, in "A Theft", 1989



Bom, era uma casa feminina, e talvez por essa razão Gina se sentisse menos estrangeira em Nova Iorque. Ela dizia que adorava a cidade, que havia imensas comodidades, especialmente para as mulheres. Além de que toda a gente que chegava já conhecia o sítio por causa de filmes e revistas, e quando John Kennedy disse que era berlinense, Berlim em peso podia ter respondido: - E então? Nós somos novaiorquinos. - Isso de se ser um estranho aqui não existia, na opinião de Gina.

2009/07/30


Little fly,
Thy summer's play
My thoughtless hand
Has brushed away.

Am not I
A fly like thee?
O art not thou
A man like me?

For I dance,
And drink, and sing,
Till some blind hand
Shall brush my wing.

WILLIAM BLAKE, U.K., in "The Fly",
Songs of Experience, 1794




Pequena mosca,
Vossa brincadeira de Verão
Foi varrida
Pela minha estouvada mão.

Eu não serei
Mosca como vós?
Ah não sois vós
homem como eu?

Pois que eu danço,
E bebo, e canto,
Até que mão cega
Me varra a asa.

2009/07/18


Manger un fruit c'est faire entrer en soi un bel objet vivant, étranger, nourri et favorisé comme nous par la terre; c'est consommer un sacrifice où nous nous préférons aux choses. Je n'ai jamais mordu dans la miche de pain des casernes sans m'émerveiller que cette concoction lourde et grossière sût se changer en sang, en chaleur, peut-être en courage. Ah, pourquoi mon esprit, dans ses meilleurs jours, ne possède-t-il jamais qu'une partie des pouvoirs assimilateurs de mon corps?

MARGUERITE YOURCENAR, Bélgica,
in "Mémoires d'Hadrien", 1951



Comer um fruto é fazer entrar em nós um belo objecto vivo, estrangeiro, alimentado e protegido como nós pela terra; é consumar um sacrifício onde nos sobrepomos às coisas. Nunca mordi a bucha de pão das casernas sem me maravilhar por essa amálgama pesada e grosseira poder transformar-se em sangue, em calor, quiçá em coragem. Ah, porque é que o meu espírito, nos seus dias melhores, não possui senão uma parte do poder de assimilação do meu corpo?

2009/07/05




Pergunta-me «Já é para ir jantar?» como quem diz: «Se não tens nada para dizer, baza.» É assim que ele e os amigos falam: «baza», «bué», «baril», «curte», «cena», «cota».
Respondo: «Ainda não, mas deve estar quase. A tua mãe ainda não chamou... Essa música não está muito alta?»
«Hã?»
«Nada, nada.»
Abro Os Lusíadas ao calhas. Ele escreve números complicados no caderno. Leio: «Tempo cedo virá que outras vitórias/Estas que agora olhais abaterão./Aqui se escreverão novas histórias/Por gentes estrangeiras que virão.» Toca o telefone na sala, vou atender.
Mal saio, o Luís Filipe fecha a porta do quarto.


JACINTO LUCAS PIRES, Portugal,
in "Gente Diferentíssima", 2003

2009/06/30


Sleepless on the verge of departure, Milford saw that this had been truth, earthly and transcendant truth, one body's adoration of another, hidden Shivas and Parvatis united amid the squalor and confusion of happenstance, of karma. He rejoiced to be tasting lust's folly once more, though the dark shape he was lying upon, fitted to him exactly, was that of his body in its grave.

JOHN UPDIKE, E.U.A., in The Apparition,
"My Father's Tears", 2009



Insone na iminência de partir, Milford viu que aquilo tinha sido verdade, verdade terrena e transcendente, adoração de um corpo por outro, Shivas e Parvatis ocultos e unidos entre a sordidez e a confusão do acaso, do carma. Exultou por provar uma vez mais o desvario da luxúria, apesar de a forma escura sobre a qual se deitava, exactamente à medida, ser a do seu corpo no túmulo.

2009/06/19


Poetry is indeed something divine. It is at once the centre and circumference of knowledge; it is that which comprehends all science, and that to which all science must be referred.

P. B. SHELLEY, U.K.
in "A Defence of Poetry", 1821


A poesia é na verdade uma coisa divina. É ao mesmo tempo centro e circunferência do conhecimento; é o que inclui toda a ciência, e o que toda a ciência tem de ter como referência.

2009/06/10





Um não sei quê, suave, respirando,
Causava um admirado e novo espanto,
Que as cousas insensíveis o sentiam.
E as gárrulas aves, levantando
Vozes desordenadas em seu canto,
Como no meu desejo, se encendiam.
As fontes cristalinas não corriam,
Inflamadas na linda vista pura;
Florecia a verdura
Que, andando, co’os divinos pés tocava;
Os ramos se abaixavam,
Ou de enveja das ervas que pisavam,
Ou porque tudo ante ela se baixava.
Não houve coisa, enfim,
Que não pasmasse dela, e eu de mim.


LUÍS VAZ DE CAMÕES, PORTUGAL,
in Canção VII, c. 1570

2009/06/01



Over your body the clouds go
High, high and icily
And a little flat, as if they

Floated on a glass that was invisible.
Unlike swans,
Having no reflections;

Unlike you,
With no strings attached.
All cool, all blue. Unlike you ―

SYLVIA PLATH, E.U.A.,
in "Gulliver", Ariel, 1963



Sobre o teu corpo as nuvens passam
Altas, altas e gélidas
E um pouco espalmadas, como se

Flutuassem num vidro que fosse invisível.
Ao contrário dos cisnes,
Sem terem reflexos;

Ao contrário de ti,
Sem fios enredados.
Todas frias, todas azuis. Ao contrário de ti ―

2009/05/22


Para um tal hino à vida e ao amor (a palavra final da dedicatória de Clarence) foi preciso ir até às estrelas. Forçar um pouco a mão ao destino, para melhor tentar a liberdade. Não se trata de viajar no passado para descobrir a inelutabilidade dele, mas de não sair da mesma noite, para mostrar como o futuro a modifica.
(sobre "It's a Wonderful Life" de Frank Capra)

Há a consciência de que um filme é como um jardim ou como uma prosa, que precisa sempre de retoques. Ou de que um filme é como os anjos, ou é o espaço - o único espaço - em que os anjos podem pousar. Os anjos, não as palavras. Consumatum est.
(sobre "Nouvelle Vague" de Jean-Luc Godard)

JOÃO BÉNARD da COSTA, PORTUGAL, 1935-2009

2009/05/18


What are days for?
Days are where we live.
They come, they wake us
Time and time over.
They are to be happy in:
Where can we live but days?

Ah, solving that question
Brings the priest and the doctor
In their long coats
Running over the fields.

PHILIP LARKIN, U.K.
“Days”, The Whitsun Weddings, 1964




Para que são os dias?
É nos dias que vivemos.
Chegam, acordam-nos
Vezes sem conta.
Existem para neles sermos felizes:
Onde podemos viver senão nos dias?

Ah, o resolver desta questão
Leva o padre e o médico
Em suas vestes longas
A correr pelos campos.

2009/05/10



Tão longe - na costa do Pacífico! Iam conhecer a América, o novo mundo! Iam falar inglês, viver no país de tantos artistas que admiravam, e de tantos outros por descobrir, o país que dez anos antes ajudara a Europa a derrotar Hitler e a reconstruir-se. E São Francisco tinha fama de ser a cidade chic da Costa Oeste, uma cidade agradável e sofisticada.
Após uma breve estada em Portugal para as despedidas, que incluiu um passeio de automóvel ao norte de Portugal, Vasco e Margarida embarcaram com as filhas a caminho de Nova Iorque, acompanhados de Zulmira, que entrou nesse dia para a família e passou a ser a sua melhor aliada.

VERA FUTSCHER PEREIRA, PORTUGAL,
in "Retrovisor", 2009

2009/05/03


We walk along the waterfront. The night
fishermen’s boats are ready to set out,
motors chugging, paraffin lamps in the bows,
and the whole town’s out for the promenade,
lovers arm in arm, and young men swaggering,
mothers and fathers, children eating ice-cream,
old men watching from tables at pavement cafés,
and the darkening hills move closer, like friendly animals.

RICHARD BURNS, U.K.,
in "Volta", 2009




Caminhamos pelo cais. À noite
os barcos dos pescadores estão prestes a largar,
motores rugem, candeias de parafina à proa,
e toda a cidade anda na rua a passear,
amantes de braço dado e jovens emproados,
mães e pais, crianças a comer gelados,
velhos a olhar das mesas dos cafés, nos passeios,
e escuras, como animais benignos, acercam-se as colinas.

2009/04/12





I have learned much in my life
from books
and out of them
about love.
Death
is not the end of it.
There is a hierarchy
which can be attained,
I think,
in its service.
Its guerdon
is a fairy flower;

WILLIAM CARLOS WILLIAMS, EUA,
in "From Asphodel, That Greeny Flower", 1950




Aprendi muito na minha vida
com os livros
e fora deles
sobre o amor.
A morte
não lhe põe fim.
Há uma hierarquia,
penso eu,
que podemos alcançar
servindo-o.
A recompensa
é uma flor feérica;

2009/03/30


Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.



FERNANDO PESSOA, Portugal
(Ricardo Reis, Odes)

2009/03/27


Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.



FERNANDO PESSOA, Portugal
(Ricardo Reis, Odes)

2009/03/08


Alda Rodrigues de Freitas Cardoso
1925 - 2009




Flor que não dura
Mais do que a sombra dum momento
Tua frescura
Persiste no meu pensamento.


FERNANDO PESSOA, Portugal, 1924

2009/03/05


Com o tempo este casal [fausto e riqueza] faz o seu ninho na vida dos homens, no dizer dos filósofos, e logo trata de se reproduzir; engendra a cupidez, o orgulho e a moleza, que não são bastardos, mas filhos perfeitamente legítimos da sua união. E, se deixarmos esses descendentes da riqueza avançar em idade, depressa eles geram nas almas tiranos inexoráveis: insolência, ilegalidade e impudência.


LONGINO, Grécia, c. 220-273
in Tratado do Sublime

2009/02/23








(à memória de A. A. LAGOA HENRIQUES, 1923-2009)

Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.


FERNANDO PESSOA, Portugal,
in [275] Alberto Caeiro, 1915

2009/02/21


A hipótese de legalização da eutanásia ou do suicídio assistido, bem como a possibilidade de, finalmente, serem legalizados os "testamentos vitais" que nos permitiriam evitar o risco de sermos transformados em carcaças respiratórias ou de sermos minuciosamente torturados em nome do respeito pela vida, são igualmente consideradas medidas eleitoralistas. Provavelmente são, também, medidas que relevam mais de considerações eleitoralistas do que de uma vontade genuína de melhorar a qualidade da nossa vida e da nossa morte mas, se vierem a ser concretizadas, contribuirão seguramente para um Portugal melhor.
As torturas hospitalares infligidas para nosso bem, de que todos podemos ser vítimas quando já não pudermos expressar a nossa vontade, não nos devem fazer esquecer a sorte daqueles que foram torturados em Guantánamo e que, provavelmente também com fins eleitoralistas, irão ser recolhidos no nosso país.

FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA, Portugal,
in jornal "Público", 21.02.2009

2009/02/19


C´était une jolie portugaise, aux yeux à la fois chauds et tristes, d'une distinction extrême. Elle était petite à côté de son mari, fine et joliment tournée. Elle portait une robe de dentelle noire. A chacun, elle disait quelques mots de bienvenue, d'une voix grave et prenante. Elle m'adressa la parole en français, d'une façon un peu chantante, pleine de séduction, et que je n'ai pas oubliée.

THOMAS OWEN, Bélgica,
in "L'Impromptu d'Évora", 1972



Era uma bela portuguesa, de olhos ao mesmo tempo quentes e tristes, de uma distinção extrema. Era pequena ao lado do marido, fina e bem torneada. Usava um vestido de renda preta. Dava a cada um algumas palavras de boas-vindas, com voz grave e cativante. Dirigiu-se-me em francês, num tom um pouco cantante e cheio de sedução, que não esqueci.

2009/02/12