2009/12/31


Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.


LUÍS VAZ DE CAMÕES, Portugal,
in "Os Lusíadas", Canto X, 1572

2009/12/25


Costard. An I had but one penny in the world, thou shouldst have it to buy gingerbread.

WILLIAM SHAKESPEARE, U.K.,
in "Love's Labour's Lost", 1592



Costard. Tivesse eu o único centavo do mundo, era teu para comprares bolo de gengibre.

2009/12/19


Gustave understood nothing of this. He was the sort of person who might, after much hard study, have finally learnt two phrases from the language of flowers: the gladiolus, which when placed at the centre of a bouquet indicates by the number of its blooms the hour for which the rendezvous is set; and the petunia, which announces that a letter has been intercepted. He would understand such rough and practical uses.

JULIAN BARNES, U.K., in "Flaubert's Parrot", 1984



Gustave não percebia nada disto. Era o género de pessoa que podia, depois de muito estudar, aprender finalmente duas frases da linguagem das flores: o gladíolo que, colocado ao centro dum ramo, indica pelo número dos seus botões a hora a que está marcado o encontro; e a petúnia, que anuncia que uma carta foi interceptada. Usos assim, práticos e rudimentares, ele entendia.

2009/11/29



The picture is La Pelisse, now in Vienna

Now sinking towards age, I paint your rising.
Your flesh glows with my sunset. You wrap close
A dark fur robe, which clothes and half unclothes
you.
Each little movement brushes the rich texture
Agains thigh, buttock, breast. And now I serve
More fiercely than I did our wedding night
Your pearly substance.


EDWARD-LUCIE SMITH, Jamaica,
in "Rubens to Helene Fourment", Towards Silence (1968)




O quadro é La Pelisse, actualmente em Viena

Agora que me afundo na idade, pinto a tua ascensão.
Tua carne resplandece no meu ocaso. Cinges
Um escuro manto de pele, que te cobre e
descobre.
Cada pequeno gesto arrasta a textura opulenta
Pela coxa, nádega, seio. Venero agora
Mais ferozmente do que na nossa noite de núpcias
A tua substância nacarada.

2009/11/01





And while we're on the subject, I think the company of saints might be distinctly interesting. Many of them led exciting lives - dodging assassins, confronting tyrants, preaching at medieval street corners, being tortured - and even the quieter ones could tell you about beekeeping, lavender-growing, Umbrian ornithology, and so on. Dom Perignon was a monk, after all. You might have been hoping for a broader social mix, but if it "has been arranged", then the saints would keep you going for longer than you might expect.

JULIAN BARNES, U.K.
in Nothing To Be Frightened Of, 2008



Já que falamos no assunto, acho que a companhia dos santos será francamente interessante. Muitos levaram vidas emocionantes - assassinos furtivos, tiranos conflituosos que prègavam em esquinas medievais e eram torturados - e até os mais discretos nos falarão de apicultura, produção de lavanda, ornitologia da Úmbria e por aí fora. Dom Pérignon era monge, aliás. Poderemos aspirar a uma maior mistura social mas, se alguma coisa "nos está destinada", então os santos confortar-nos-ão por muito mais tempo do que imaginámos.

2009/10/28


A pondering frog looks
out from my eyes:

dark-red, veiled blue, plums
roll to the center of a bowl

and at close horizon water-towers
hump and perch.

DENISE LEVERTOV, U.K.,
in The Communion, 1961



Uma rã pondera, olha
pelos meus olhos:

vermelhas e escuras, veladas de azul, ameixas
rolam para o centro duma taça

e no horizonte próximo vergam-se
e ascendem torres de água.

2009/09/22


Of the things we fashioned for them that they might be comforted, dawn is the one that works. When darkness sifts from the air like fine soot and light spreads slowly out of the east then all but the most wretched of humankind rally. It is a spectacle we enjoy immortals, this minor daily resurrection, we will often gather at the ramparts of the clouds and gaze upon them, our little ones, as they bestir themselves to welcome the new day. What a silence falls upon us then, the sad silence of our envy. Many of them sleep on, of course, careless of our cousin's charming Aurora matutinal trick, but there are always the insomniacs, the restless ill, the lovelorn solitary tossing on their beds, or just the early-risers, the busy ones, with their knee-bends and their cold showers and their fussy little cups of black ambrosia. Yes, all who witness it greet the dawn with joy, more or less, except of course the condemned man, for whom first light will be the last, on earth.

JOHN BANVILLE, Irlanda,
in The Infinities, 2009



Das coisas que concebemos para poder confortá-los, o amanhecer é a que dá efeito. Quando a escuridão se separa do ar, fina como fuligem branda e a luz sai de leste e se espraia lentamente, então toda a espécie humana, com excepção dos mais desgraçados, recupera. É um espectáculo que nós, imortais, apreciamos, essa pequena ressurreição diária; quase sempre nos reunimos nos parapeitos das nuvens e fitamos lá em baixo os nossos petizes, enquanto eles se alvoroçam para acolher o novo dia. Abate-se então sobre nós um silêncio! O silêncio triste da inveja. Muitos deles ainda dormem, é claro, indiferentes ao fascinante truque matutino da nossa prima Aurora, mas há sempre os insones, os doentes agitados, os infelizes no amor, às voltas em camas solitárias, ou os simples madrugadores, atarefados com as flexões e os duches frios e as chaveninhas extravagantes de ambrósia negra. Sim, todos os que vêem o amanhecer saúdam-no com alegria maior ou menor, excepto obviamente o condenado, para quem a primeira luz será última, na Terra.

2009/09/06

2009/09/05

One afternoon I was sitting outside the Café de la Paix, watching the splendour and shabbiness of Parisian life, and wondering over my vermouth at the strange panorama of pride and poverty that was passing before me, when I heard some one call my name.

OSCAR WILDE, Irlanda,
in "The Sphinx Without a Secret", 1894



Uma tarde, estava eu sentado na esplanada do Café de la Paix, a observar o esplendor e miséria da vida parisiense e a pensar, enquanto bebia o meu vermute, na estranha paisagem de orgulho e pobreza que me passava diante dos olhos, quando ouvi chamar o meu nome.

2009/08/29


Ce que tu as gâché, que tu as laissé se gâcher et qui te gêne et te préoccupe, ton échec est pourtant cela même, qui ne dormant pas, est énergie, énergie surtout. Qu'en fais-tu?
...................................................................................
Tu es contagieux à toi-même, souviens-t'en. Ne laisse pas «toi» te gagner.

HENRI MICHAUX, França,
in "Poteaux d'Angle", 1971



O que estragaste, o que deixaste estragar e te incomoda e preocupa - o teu fracasso - é isso, não dorme e é energia, sobretudo energia. O que fazes com ele?
...................................................................................
És contagioso para ti mesmo, lembra-te. Não deixes que o «tu» te vença.

2009/08/16

Henri Fantin-Latour, Le Coin de Table, 1872 (pormenor)

A quatre heures du matin, l’été
Le sommeil d’amour dure encore.
Sous les bocages s’évapore
L’odeur du soir fêté.

Là-bas, dans leur vaste chantier
Au soleil des Hespérides,
Déjà s’agitent ― en bras de chemise ―
Les Charpentiers.

Dans leurs Déserts de mousse, tranquilles,
Ils préparent les lambris précieux
Où la ville
Peindra de faux cieux.

O, pour ces Ouvriers charmants
Sujets d’un roi de Babylone,
Vénus! quitte un instant les Amants
Dont l’âme est en couronne.

O Reine des Bergers,
Porte aux travailleurs l’eau-de-vie,
Que leurs forces soient en paix
En attendant le bain dans la mer à midi.


ARTHUR RIMBAUD, França
in “Une Saison en Enfer”, 1873



Às quatro da manhã, no Verão
O sono de amor dura ainda.
Sob os arbustos evapora-se
O odor da noite festejada.

Lá longe, no vasto estaleiro
Ao sol das Hespérides,
Já se agitam ― em mangas de camisa ―
Os Carpinteiros.

Nos Desertos de espuma, tranquilos,
Preparam os lambris preciosos
Onde a cidade
Pintará falsos céus.

Oh, pelos Operários encantadores
Súbditos dum rei da Babilónia,
Vénus! deixa um instante os Amantes
Cuja alma se engalanou.

Ó Rainha dos Pastores,
Leva aos trabalhadores a aguardente,
Que as suas forças se aquietem
Enquanto esperam o banho no mar ao meio-dia.

2009/08/08



O mais extraordinário nesta evolução consiste em os políticos, sucessivamente e enquanto classe profissional, terem acabado por se definir como um «Demi Monde», onde o número dos seus elementos que vive na fronteira do crime ou a ultrapassa só tem aumentado e nunca diminuído. A decadência moral e espiritual a que este fenómeno conduz está perfeitamente visível na institucionalização do cinismo, aquela atitude por meio da qual uma significativa maioria de pessoas hoje sabe que o facto de um político fazer uma asserção aumenta a possibilidade de esta ser falsa.

M. S. LOURENÇO, Portugal, 1936-2009
in "Os Degraus do Parnaso", 1991

2009/08/01


Well, it was a feminine household, and for that reason perhaps Gina felt less foreign in New York. She said that she loved the city, it had so many accommodations for women specifically. Everybody who arrived, moreover, already knew the place because of movies and magazines, and when John Kennedy said he was a Berliner, all of Berlin could have answered, "So? We are New Yorkers." There was no such thing as being strange here, in Gina's opinion.


SAUL BELLOW, Canada, in "A Theft", 1989



Bom, era uma casa feminina, e talvez por essa razão Gina se sentisse menos estrangeira em Nova Iorque. Ela dizia que adorava a cidade, que havia imensas comodidades, especialmente para as mulheres. Além de que toda a gente que chegava já conhecia o sítio por causa de filmes e revistas, e quando John Kennedy disse que era berlinense, Berlim em peso podia ter respondido: - E então? Nós somos novaiorquinos. - Isso de se ser um estranho aqui não existia, na opinião de Gina.

2009/07/30


Little fly,
Thy summer's play
My thoughtless hand
Has brushed away.

Am not I
A fly like thee?
O art not thou
A man like me?

For I dance,
And drink, and sing,
Till some blind hand
Shall brush my wing.

WILLIAM BLAKE, U.K., in "The Fly",
Songs of Experience, 1794




Pequena mosca,
Vossa brincadeira de Verão
Foi varrida
Pela minha estouvada mão.

Eu não serei
Mosca como vós?
Ah não sois vós
homem como eu?

Pois que eu danço,
E bebo, e canto,
Até que mão cega
Me varra a asa.

2009/07/18


Manger un fruit c'est faire entrer en soi un bel objet vivant, étranger, nourri et favorisé comme nous par la terre; c'est consommer un sacrifice où nous nous préférons aux choses. Je n'ai jamais mordu dans la miche de pain des casernes sans m'émerveiller que cette concoction lourde et grossière sût se changer en sang, en chaleur, peut-être en courage. Ah, pourquoi mon esprit, dans ses meilleurs jours, ne possède-t-il jamais qu'une partie des pouvoirs assimilateurs de mon corps?

MARGUERITE YOURCENAR, Bélgica,
in "Mémoires d'Hadrien", 1951



Comer um fruto é fazer entrar em nós um belo objecto vivo, estrangeiro, alimentado e protegido como nós pela terra; é consumar um sacrifício onde nos sobrepomos às coisas. Nunca mordi a bucha de pão das casernas sem me maravilhar por essa amálgama pesada e grosseira poder transformar-se em sangue, em calor, quiçá em coragem. Ah, porque é que o meu espírito, nos seus dias melhores, não possui senão uma parte do poder de assimilação do meu corpo?

2009/07/05




Pergunta-me «Já é para ir jantar?» como quem diz: «Se não tens nada para dizer, baza.» É assim que ele e os amigos falam: «baza», «bué», «baril», «curte», «cena», «cota».
Respondo: «Ainda não, mas deve estar quase. A tua mãe ainda não chamou... Essa música não está muito alta?»
«Hã?»
«Nada, nada.»
Abro Os Lusíadas ao calhas. Ele escreve números complicados no caderno. Leio: «Tempo cedo virá que outras vitórias/Estas que agora olhais abaterão./Aqui se escreverão novas histórias/Por gentes estrangeiras que virão.» Toca o telefone na sala, vou atender.
Mal saio, o Luís Filipe fecha a porta do quarto.


JACINTO LUCAS PIRES, Portugal,
in "Gente Diferentíssima", 2003

2009/06/30


Sleepless on the verge of departure, Milford saw that this had been truth, earthly and transcendant truth, one body's adoration of another, hidden Shivas and Parvatis united amid the squalor and confusion of happenstance, of karma. He rejoiced to be tasting lust's folly once more, though the dark shape he was lying upon, fitted to him exactly, was that of his body in its grave.

JOHN UPDIKE, E.U.A., in The Apparition,
"My Father's Tears", 2009



Insone na iminência de partir, Milford viu que aquilo tinha sido verdade, verdade terrena e transcendente, adoração de um corpo por outro, Shivas e Parvatis ocultos e unidos entre a sordidez e a confusão do acaso, do carma. Exultou por provar uma vez mais o desvario da luxúria, apesar de a forma escura sobre a qual se deitava, exactamente à medida, ser a do seu corpo no túmulo.

2009/06/19


Poetry is indeed something divine. It is at once the centre and circumference of knowledge; it is that which comprehends all science, and that to which all science must be referred.

P. B. SHELLEY, U.K.
in "A Defence of Poetry", 1821


A poesia é na verdade uma coisa divina. É ao mesmo tempo centro e circunferência do conhecimento; é o que inclui toda a ciência, e o que toda a ciência tem de ter como referência.

2009/06/10





Um não sei quê, suave, respirando,
Causava um admirado e novo espanto,
Que as cousas insensíveis o sentiam.
E as gárrulas aves, levantando
Vozes desordenadas em seu canto,
Como no meu desejo, se encendiam.
As fontes cristalinas não corriam,
Inflamadas na linda vista pura;
Florecia a verdura
Que, andando, co’os divinos pés tocava;
Os ramos se abaixavam,
Ou de enveja das ervas que pisavam,
Ou porque tudo ante ela se baixava.
Não houve coisa, enfim,
Que não pasmasse dela, e eu de mim.


LUÍS VAZ DE CAMÕES, PORTUGAL,
in Canção VII, c. 1570

2009/06/01



Over your body the clouds go
High, high and icily
And a little flat, as if they

Floated on a glass that was invisible.
Unlike swans,
Having no reflections;

Unlike you,
With no strings attached.
All cool, all blue. Unlike you ―

SYLVIA PLATH, E.U.A.,
in "Gulliver", Ariel, 1963



Sobre o teu corpo as nuvens passam
Altas, altas e gélidas
E um pouco espalmadas, como se

Flutuassem num vidro que fosse invisível.
Ao contrário dos cisnes,
Sem terem reflexos;

Ao contrário de ti,
Sem fios enredados.
Todas frias, todas azuis. Ao contrário de ti ―

2009/05/22


Para um tal hino à vida e ao amor (a palavra final da dedicatória de Clarence) foi preciso ir até às estrelas. Forçar um pouco a mão ao destino, para melhor tentar a liberdade. Não se trata de viajar no passado para descobrir a inelutabilidade dele, mas de não sair da mesma noite, para mostrar como o futuro a modifica.
(sobre "It's a Wonderful Life" de Frank Capra)

Há a consciência de que um filme é como um jardim ou como uma prosa, que precisa sempre de retoques. Ou de que um filme é como os anjos, ou é o espaço - o único espaço - em que os anjos podem pousar. Os anjos, não as palavras. Consumatum est.
(sobre "Nouvelle Vague" de Jean-Luc Godard)

JOÃO BÉNARD da COSTA, PORTUGAL, 1935-2009

2009/05/18


What are days for?
Days are where we live.
They come, they wake us
Time and time over.
They are to be happy in:
Where can we live but days?

Ah, solving that question
Brings the priest and the doctor
In their long coats
Running over the fields.

PHILIP LARKIN, U.K.
“Days”, The Whitsun Weddings, 1964




Para que são os dias?
É nos dias que vivemos.
Chegam, acordam-nos
Vezes sem conta.
Existem para neles sermos felizes:
Onde podemos viver senão nos dias?

Ah, o resolver desta questão
Leva o padre e o médico
Em suas vestes longas
A correr pelos campos.

2009/05/10



Tão longe - na costa do Pacífico! Iam conhecer a América, o novo mundo! Iam falar inglês, viver no país de tantos artistas que admiravam, e de tantos outros por descobrir, o país que dez anos antes ajudara a Europa a derrotar Hitler e a reconstruir-se. E São Francisco tinha fama de ser a cidade chic da Costa Oeste, uma cidade agradável e sofisticada.
Após uma breve estada em Portugal para as despedidas, que incluiu um passeio de automóvel ao norte de Portugal, Vasco e Margarida embarcaram com as filhas a caminho de Nova Iorque, acompanhados de Zulmira, que entrou nesse dia para a família e passou a ser a sua melhor aliada.

VERA FUTSCHER PEREIRA, PORTUGAL,
in "Retrovisor", 2009

2009/05/03


We walk along the waterfront. The night
fishermen’s boats are ready to set out,
motors chugging, paraffin lamps in the bows,
and the whole town’s out for the promenade,
lovers arm in arm, and young men swaggering,
mothers and fathers, children eating ice-cream,
old men watching from tables at pavement cafés,
and the darkening hills move closer, like friendly animals.

RICHARD BURNS, U.K.,
in "Volta", 2009




Caminhamos pelo cais. À noite
os barcos dos pescadores estão prestes a largar,
motores rugem, candeias de parafina à proa,
e toda a cidade anda na rua a passear,
amantes de braço dado e jovens emproados,
mães e pais, crianças a comer gelados,
velhos a olhar das mesas dos cafés, nos passeios,
e escuras, como animais benignos, acercam-se as colinas.

2009/04/12





I have learned much in my life
from books
and out of them
about love.
Death
is not the end of it.
There is a hierarchy
which can be attained,
I think,
in its service.
Its guerdon
is a fairy flower;

WILLIAM CARLOS WILLIAMS, EUA,
in "From Asphodel, That Greeny Flower", 1950




Aprendi muito na minha vida
com os livros
e fora deles
sobre o amor.
A morte
não lhe põe fim.
Há uma hierarquia,
penso eu,
que podemos alcançar
servindo-o.
A recompensa
é uma flor feérica;

2009/03/30


Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.



FERNANDO PESSOA, Portugal
(Ricardo Reis, Odes)

2009/03/27


Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.



FERNANDO PESSOA, Portugal
(Ricardo Reis, Odes)

2009/03/08


Alda Rodrigues de Freitas Cardoso
1925 - 2009




Flor que não dura
Mais do que a sombra dum momento
Tua frescura
Persiste no meu pensamento.


FERNANDO PESSOA, Portugal, 1924

2009/03/05


Com o tempo este casal [fausto e riqueza] faz o seu ninho na vida dos homens, no dizer dos filósofos, e logo trata de se reproduzir; engendra a cupidez, o orgulho e a moleza, que não são bastardos, mas filhos perfeitamente legítimos da sua união. E, se deixarmos esses descendentes da riqueza avançar em idade, depressa eles geram nas almas tiranos inexoráveis: insolência, ilegalidade e impudência.


LONGINO, Grécia, c. 220-273
in Tratado do Sublime

2009/02/23








(à memória de A. A. LAGOA HENRIQUES, 1923-2009)

Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.


FERNANDO PESSOA, Portugal,
in [275] Alberto Caeiro, 1915

2009/02/21


A hipótese de legalização da eutanásia ou do suicídio assistido, bem como a possibilidade de, finalmente, serem legalizados os "testamentos vitais" que nos permitiriam evitar o risco de sermos transformados em carcaças respiratórias ou de sermos minuciosamente torturados em nome do respeito pela vida, são igualmente consideradas medidas eleitoralistas. Provavelmente são, também, medidas que relevam mais de considerações eleitoralistas do que de uma vontade genuína de melhorar a qualidade da nossa vida e da nossa morte mas, se vierem a ser concretizadas, contribuirão seguramente para um Portugal melhor.
As torturas hospitalares infligidas para nosso bem, de que todos podemos ser vítimas quando já não pudermos expressar a nossa vontade, não nos devem fazer esquecer a sorte daqueles que foram torturados em Guantánamo e que, provavelmente também com fins eleitoralistas, irão ser recolhidos no nosso país.

FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA, Portugal,
in jornal "Público", 21.02.2009

2009/02/19


C´était une jolie portugaise, aux yeux à la fois chauds et tristes, d'une distinction extrême. Elle était petite à côté de son mari, fine et joliment tournée. Elle portait une robe de dentelle noire. A chacun, elle disait quelques mots de bienvenue, d'une voix grave et prenante. Elle m'adressa la parole en français, d'une façon un peu chantante, pleine de séduction, et que je n'ai pas oubliée.

THOMAS OWEN, Bélgica,
in "L'Impromptu d'Évora", 1972



Era uma bela portuguesa, de olhos ao mesmo tempo quentes e tristes, de uma distinção extrema. Era pequena ao lado do marido, fina e bem torneada. Usava um vestido de renda preta. Dava a cada um algumas palavras de boas-vindas, com voz grave e cativante. Dirigiu-se-me em francês, num tom um pouco cantante e cheio de sedução, que não esqueci.

2009/02/12




CUCUMBER CREAM
2T lemon juice, 1 T honey, 1 cup drained diced cucumber, 1 cup yogurt, salt, pepper

Mix lemon juice, honey and cucumber. Whip yogurt and fold in the cucumber mixture. Season with salt and pepper. Serve cold with broiled fish, cold poached fish, shrimp salad or sliced tomato.

JEANNE VOLTZ, E.U.A.,
in The Los Angeles Times "Natural Foods Cookbook", 1973



CREME DE PEPINO
2 colheres de sopa de sumo de limão, 1 colher de sopa de mel, 1 chávena de cubos de pepino escorridos, 1 chávena de iogurte, sal, pimenta

Misturar o sumo de limão, o mel e o pepino. Bater o iogurte e juntar. Temperar com sal e pimenta. Servir com peixe grelhado, peixe cozido frio, salada de camarão ou rodelas de tomate.

2009/02/02


Havia um sofá que se achava triste. E uma poltrona que vivia alegre. Havia uma cadeira de baloiço que ficava tonta. E uma mesa de centro que temia manchas. Havia dois quadros macambúzios na parede. Havia um tapete que queria ser uma estante. Havia uma estante que detestava livros. As almofadas do sofá viviam em alegre cavaqueira mas não convenciam ninguém. Nenhuma quisera ser solteira. Havia um candelabro apaixonado por um lustre de seis lâmpadas. Havia um lustre de seis lâmpadas com vertigens. Havia um pó traiçoeiro. Havia caruncho guerreiro. Havia uns mosaicos psicadélicos, que preferiam ser sóbrios. Havia uns redondos que queriam ser quadrados, havia uns vermelhos que queriam ser azuis. Havia riscas que queriam ser flores. Havia uns padrões dos anos oitenta, que queriam ser dos anos 30.


EILEEN ALMEIDA BARBOSA, Cabo Verde,
in “A Sala”, 2007

2009/01/28


She went into the bathroom. She closed the door! So he couldn't watch. No free pleasures, he saw, was one of the rules. Naked, he sat on the bed, picked the Blake from the bureau top, and read,

The Lamb misus'd breeds Public strife
And yet forgives the Butcher's Knife.
The Bat that flits at close of Eve
Has left the Brain that won't Believe.

The toilet flushed; the faucets purred. She emerged still wearing those bothersome, unlovely boots, and gave his limp penis a glance he thought scornful. Only the alcohol helped him ask, «Want to lie down?»

JOHN UPDIKE, U.S.A., 1932-2009
in "Transaction", 2003




Ela entrou na casa de banho. Fechou a porta! Assim ele não podia olhar. Não há prazeres grátis, percebeu que essa era uma das regras. Nu, sentou-se na cama, tirou o Blake de cima da secretária e leu:

O Cordeiro maltratado espalha o conflito Aberto
E no entanto perdoa à Faca do Verdugo.
O Morcego que esvoaça ao redor de Eva
Saiu do Cérebro que não quer Acreditar.


O autoclismo descarregou; as torneiras fizeram um ruído surdo. Ela surgiu, sempre com aquelas botas enervantes, feias, e deitou ao pénis mole um olhar que ele achou de troça. Só o álcool o ajudou a perguntar: «Queres deitar-te?»

2009/01/25


Pedir a Deus ajuda e bênção para os EUA não garante, só por si, que o Presidente respeitará o desígnio da Constituição e, quanto à Biblia, há, nessa biblioteca, de tudo para todos os gostos. Com o mesmo juramento, Bush foi uma desgraça mundial e aguardo que o novo Presidente não ajude nem permita desgraças como a invasão do Iraque e a matança de Gaza. Tornou-se, no entanto, evidente que a autenticidade humana, política e religiosa, manifestada no seu itinerário até à tomada de posse, suscitou uma fé e uma esperança colectivas, um desígnio comum, uma vontade de vencer a crise, como um serviço a toda a América e ao mundo. Um sentimento religioso, transcendente e humano percorreu esse dia.

FREI BENTO DOMINGUES O.P., Portugal
in jornal "Público", 25.01.2009

2009/01/21






Obama herda uma América em perda de influência, não só pelo encadeamento de desastres políticos desde a invasão do Iraque, mas pela ascensão "do resto", nomeadamente da Ásia. Cabe-lhe elaborar a nova estratégia americana perante esta inexorável mudança, o "mundo pós-americano", que ele parece ter compreendido.

JORGE ALMEIDA FERNANDES, Portugal,
in "Público", 20.01.2009

2009/01/20




On this day we gather because we have chosen hope instead of fear.

For the world has changed and we must change with it.

BARACK OBAMA, E.U.A.
20 de Janeiro de 2009




Neste dia reunimo-nos porque decidimos escolher a esperança em vez do medo.

Porque o mundo mudou e nós temos de mudar com ele.

I don't know whether I will be able to control myself [at the Inauguration]. I will be on the platform, and I'm going to try to keep my balance and not have what I call an out-of-body experience. I want to be able to see down the Mall and past the Washington Monument and get a glimpse of the Lincoln Memorial, where we stood 45 years ago.

JOHN LEWIS, Congressista da Georgia, EUA



Não sei se serei capaz de me controlar [na Tomada de Posse]. Vou estar na tribuna e vou tentar manter o equilíbrio e não ter aquilo a que chamo uma experiência extra-sensorial. Quero ser capaz de ver todo o Mall, passar pelo Monumento a Washington e vislumbrar o Memorial de Lincoln, onde estivemos de pé há 45 anos.

2009/01/15


- I can understand, - he said, - Your Majesty's need to pass the time.
- Pass the time? - said the Queen. - Books are not about passing the time. They're about other lives. Other worlds. Far from wanting time to pass, Sir Kevin, one just wishes one had more of it. If one wanted to pass the time one could go to New Zealand.

ALAN BENNETT, U.K.,
in "The Uncommon Reader", 2006




― Consigo entender, ― disse ele, ― a necessidade que Vossa Majestade tem de passar o tempo.
― Passar o tempo? ― disse a Rainha. ― Os livros não são para passar o tempo. São sobre outras vidas. Outros mundos. Longe de querermos que o tempo passe, Sir Kevin, quem nos dera ter mais. Se quiséssemos passar o tempo, íamos à Nova Zelândia.

2009/01/09


Agora dirão porque me ocupo com estas coisas e ponho estrangeiros como heróis das minhas histórias. É um truque muito antigo, as pessoas ficam sempre impressionadas quando tudo se passa lá fora e aparece em cena gente doutros costumes e doutras terras. É assim, não há nada a fazer. Foi tempo em que o Samorim era visita da casa; agora até uma porteira de Passy nos deixa intimidados.


AGUSTINA BESSA-LUÍS, Portugal,
in "A Torre", 1989

2009/01/01


To leap, to lengthen out, divide the air, to purloin, to pursue.
To tell the hen: fly over the fence, go in the wrong way
in your perturbation - this is life;
to do less would be nothing but dishonesty.

MARIANNE MOORE, U.S.A., 1935




Saltar, aumentar, dividir o ar, furtar, prosseguir.
Dizer à galinha: salta a vedação, na tua agitação
toma a direcção errada - a vida é isso;
fazer menos seria pura desonestidade.