2013/12/21


Não recorras ao que já sabes do Natal,
mas coloca-te à espera
daquilo que de repente em teu coração
se pode revelar
Não  reduzas o Natal ao enredo dos símbolos
tornando-o um fragmento trémulo sem lugar
no concreto da vida

Não repitas apenas as frases que te sentes obrigado a dizer
como se o Natal devesse preencher um vazio
em vez de o desocultar

Não confundas os embrulhos com o dom
nem a acumulação de coisas com a possibilidade da festa:
o que recebes de graça
só gratuitamente poderás partilhar

Cuida do exterior sabendo que ele é verdadeiro
quando movido por uma alegria que vem de dentro

Uma só coisa merece ser buscada e celebrada, uma só:
o despertar de  uma Presença no fundo da alma

Por isso o Natal que é teu não te pertence
Só a outro o poderás pedir.


JOSÉ TOLENTINO DE MENDONÇA, Portugal, 2013

2013/11/18

                                         
Jack was still Northern in this: he seemed brusque, to strangers; he wasn't shy, he simply hadn't been brought up to enjoy words. Now he put his arm briefly around Stella's waist, and said: «Marvellous, Stell, marvellous.» They walked on, pleased with each other. Stella had with Jack, her husband had with Dorothy, these moments, when they said to each other wordlessly: If I were not married to my husband, if you were not married to your wife, how delightful it would be to be married to you. These moments were not the least of the pleasures of this four-sided friendship.

DORIS LESSING, U. K.,
in "A Man and Two Women", 1965


Nisto, Jack ainda era do Norte: parecia brusco aos estranhos; não era tímido, só não tinha sido educado para apreciar as palavras. Passou brevemente o braço em volta da cintura de Stella, e disse: «Maravilhoso, Stell, maravilhoso.» Foram andando, satisfeitos um com o outro. Stella tinha com Jack e o marido tinha com Dorothy momentos destes, em que diziam sem palavras: Se eu não fosse casada com o meu marido, se tu não fosses casado com a tua mulher, seria tão bom estar casada(o) contigo. Momentos assim não eram prazeres menores nesta amizade a quatro.

2013/11/07


What is a poem, after all? you say.
Maybe it is a kind of possessing
a heap of rocks, a buoy or anything -

A way to be the water, marking time
with ebbs at moonrise, or high tides.

An aperture to document these wild days
and seal the light away for other eyes.

ERIN J. WATSON, U.S.A., in "No Experiences", 2012
(based on tweets from the spambot @Horse_ebooks)



Afinal o que é um poema? dizes.
É talvez como possuir
um monte de rochas, uma boia ou uma coisa qualquer -

Uma maneira de ser a água, a marcar o tempo
com marés baixas quando nasce a lua, ou com marés altas.

Uma nesga para documentar estes dias agrestes
e vedar a luz para outros olhos.

2013/09/30


She converted me. She taught me the simple pleasures. Before her I looked for them loud and big, strong and scarlet. Silly of me.
The third time I met her, I remember thinking I'd boast to her, shock her, she was so absurdly green. I told her about amphetamine sulfate and five in a bed. She looked at me blankly, then kindly. I felt a fool, and I was a fool. We dropped the subject and went into the garden where she showed me some pale green, lemon-scented irises and mentioned a man she had been in love with for a long time. She was mad for irises.

MARY FLANAGAN, U.K.
in "Simple Pleasures", Bad Girls, 1992


Ela converteu-me. Ensinou-me os prazeres simples. Antes dela, eu procurava-os grandes e ruidosos, impróprios e fáceis. Era parva.
Da terceira vez que a vi, lembro-me de pensar que me ia gabar, chocá-la, ela era absurdamente ingénua. Falei-lhe do sulfato de anfetamina e duma cama para cinco. Olhou-me sem expressão e depois com simpatia. Senti-me idiota e era idiota. Mudámos de assunto e fomos para o jardim, onde ela me mostrou uns lírios verde pálido, com perfume a limão, e se referiu a um homem por quem estivera apaixonada durante muito tempo. Era doida por lírios.

2013/08/29


Love may not lead where we think or hope, but regardless of outcome it should be a call to seriousness and truth. If it is not that - if it is not moral in its effect - then love is no more than an exaggerated form of pleasure. Whereas grief, love's opposite, does not seem to occupy a moral space. The defensive, curled position it forces us into if we are to survive makes us more selfish. It is not a place of upper air; there are no views. You can no longer hear yourself living.

JULIAN BARNES, U.K., in The Levels of Life, 2013


O amor pode não levar onde pensamos ou esperamos mas, independentemente do desfecho, ele deveria ser uma chamada à seriedade e à verdade. Se não for isso, se o seu efeito não for moral, então o amor não passa de uma forma exagerada de prazer. Ao passo que a dor, o contrário do amor, parece não habitar um espaço moral. A posição defensiva e enroscada a que nos obriga, se queremos sobreviver, torna-nos mais egoístas. Não é um lugar arejado; não tem vista. Deixamos de nos ouvir viver. 



  

2013/07/07


WHISTLING BISCUITS

Divide the party into two equal teams: if there is an odd number, the person left over will be umpire. The teams stand in line abreast facing each other, and every player has two cream crackers, or water biscuits. On a given signal, the first player in each team may start to eat their crackers: as soon as their mouth is clear enough to whistle, the second player in the team can start to eat and so on. The first team in which all the players have whistled wins the contest.

in PARLOUR GAMES, U. K., 1992


BISCOITOS QUE ASSOBIAM 

Dividem-se os jogadores em duas equipas iguais: se o número for ímpar, a última pessoa será árbitro. As equipas colocam-se em fila lado a lado, de frente uma para a outra, e cada jogador tem duas bolachas de água e sal. Ao sinal combinado, o primeiro jogador de cada equipa pode começar a comer as suas bolachas; assim que tiver a boca livre para assobiar, o segundo jogador da equipa pode começar a comer, e por aí fora. A primeira equipa em que todos os jogadores tenham assobiado ganha a competição.

2013/07/01


You put together two people that have not been put together before; and sometimes the world is changed, sometimes not.They may crash and burn, or burn and crash. But sometimes, something new is made, and then the world is changed. Together, in that first exaltation, that first roaring sense of uplift, they are greater than their two separate selves. Together, they see further, and they see more clearly.

JULIAN BARNES, U.K.,
in Levels of Life, 2013

Juntamos duas pessoas que ainda não se tinham juntado; e às vezes o mundo transforma-se, outras vezes não. Podem despenhar-se e arder, ou arder e despenhar-se. Mas às vezes algo de novo acontece e então o mundo transforma-se. Juntos, naquela primeira exaltação, naquela primeira e estrondosa sensação de alento, são maiores que os dois eus separados. Juntos, vêem mais longe e vêem mais distintamente.

2013/06/15


Chapter 16
THE VISITOR
Imagine, if you can, what the rest of the evening was like. How they crouched by the fire, which blazed and leaped and made so much of itself in the little grate. How they removed the covers of the dishes and found rich, hot, savoury soup, which was a meal in itself, and sandwiches, and toast and muffins enough for both of them.The mug from the washstand was used as Becky's teacup, and the tea was so delicious that it was not necessary to pretend that it was anything else but tea. They were warm and full-fed and happy, and it was just like Sara that, having found her strange good fortune real, she should give herself up to the enjoyment of it to the utmost. She had lived such a life of imaginings that she was quite equal to accepting any wonderful thing that happened, and almost to cease, in a short time, to find it bewildering.
«I don't know anyone in the world who could have done it,» she said, «but there has been someone. And here we are sitting by their fire - and - and - and - it's true! And whoever it is - wherever they are - I have a friend. Becky - someone is my friend.»

FRANCES BURNETT, U.K.,
in A Little Princess,1905


Capítulo 16
O VISITANTE
Imaginemos, se possível, como foi o resto da noite. Imaginemo-las sentadas em frente ao lume, que resplandecia e dançava na pequena grelha. Imaginemo-las a levantar as tampas dos pratos e a descobrir uma sopa quente e deliciosa, que já era uma refeição, sanduíches, torradas e bolos em quantidade suficiente para as duas. A caneca do lavatório serviu de chávena a Becky, e o chá era tão bom que não foi necessário supor que era outra coisa qualquer. Estavam quentinhas, bem alimentadas e felizes e Sara, convencida de que a sua incrível boa sorte era real, entregava-se ao prazer de a gozar por inteiro. Tinha passado a vida a imaginar, por isso aceitava naturalmente o que de maravilhoso acontecia e quase deixava, por momentos, de o achar desconcertante.
«Não conheço ninguém no mundo que pudesse ter feito isto,» disse, «mas foi alguém. E eis-nos sentadas diante do seu lume... que... que... é verdadeiro! Seja quem for e esteja onde estiver, eu tenho um amigo. Becky, há alguém que é meu amigo.»  

2013/06/10


Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado,
E dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
e quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rústico, enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.

Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;

Que eu só em humilde estado me contento
de trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.


LUÍS VAZ DE CAMÕES, Portugal,
Soneto 126 (c.1561)

2013/05/26

 

Tomou todas as disposições para poder estar seguro e sossegado no sítio onde ia encontrar a prima: e o resto do dia, ansioso mas contente, ocupou-se de seus deveres militares, fatigou o corpo para descansar o espírito, e em parte e por bastantes horas o conseguiu.
Mas um dia de abril é imenso, interminável. E as últimas horas pareciam as mais compridas. Nunca houve horas tamanhas! Carlos já não tinha que inventar para fazer: pôs-se a pensar.
Que remédio!
Pensou nisto, pensou naquilo... uma ideia lhe vinha, outra se lhe ia. A imaginação, tanto tempo comprimida, tomava o freio nos dentes e corria à rédea solta pelo espaço...
Anéis dourados, tranças de ébano, faces de leite e rosas como de querubins, outras pálidas, transparentes, diáfanas como de princesas encantadas, olhos pretos, azuis, verdes... os de Joaninha  enfim... todas estas feições, confusas e indistintas mas de estremada beleza todas, lhe passavam diante da vista, e todas o enfeitiçavam. O desgraçado... - Por que não hei-de eu dizer a verdade? - o desgraçado era poeta.

ALMEIDA GARRETT, Portugal,
in Viagens na Minha Terra, 1843      

2013/05/23


My friend is interesting but he is not in his apartment.

Their conversation appears interesting but they are speaking a language I do not understand.

They are both reputed to be interesting people and so I'm sure their conversation is interesting, but they are speaking a language I understand only a little, so I catch only fragments such as «I see» and «on Sunday» and «unfortunately».

LYDIA DAVIS, E.U.A. in Interesting, 2001



O meu amigo é interessante mas não está no apartamento.

A conversa deles parece interessante mas falam uma língua que eu não percebo.

Ambos têm fama de ser pessoas interessantes e por isso tenho a certeza que a conversa deles é interessante, mas falam uma língua que eu percebo mal, por isso só apanho fragmentos, como «estou a ver» e «no Domingo» e «infelizmente».

2013/05/09


THE PLEASURES OF OPIUM
It is very long since I first took opium; so long, that if it had been a trifling incident in my life, I might have forgotten its date; but cardinal events are not to be forgotten; and, from circumstances connected with it, I remember that this inauguration to the use of opium must be referred to the spring or to the autumn of 1804; during which seasons I was in London, having come thither for the first time since my entrance at Oxford. And this event arose in the following way: from an early age I had been accustomed to wash my head in cold water at least once a day; being suddenly seized with toothache, I attributed it to some relaxation caused by a casual intermission of that practice; jumped out of bed, plunged my head into a basin of cold water, and with hair thus wetted went to sleep. The next morning, as I need hardly say, I awoke with excruciating rheumatic pains of the head and face, from which I had hardly any respite for about twenty days. On the twenty-first day I think it was, and on a Sunday, that I went out into the streets; rather to run away, if possible, from my torments, than with any distinct purpose of relief. By accident, I met a college acquaintance, who recommended opium. Opium! dread agent of unimaginable pleasure and pain! I had heard of it as I had heard of manna and ambrosia, but no further. How unmeaning a sound was opium at that time! What solemn chords does it now strike upon my heart! What heart-quaking vibrations of sad and happy remembrances!

THOMAS DE QUINCEY, U.K.,
in Confessions of an English Opium-Eater, 1821



OS PRAZERES DO ÓPIO
Foi há muito tempo que tomei ópio pela primeira vez; tanto tempo que, houvesse sido ele na minha vida um incidente insignificante e eu pudera ter esquecido a data; mas os acontecimentos essenciais não são para esquecer; e, por circunstâncias a ele ligadas, lembro-me que a iniciação ao uso do ópio remonta à Primavera ou ao Outono de 1804; estações em que me encontrava em Londres, aonde fora pela primeira vez desde a minha entrada em Oxford. E esse acontecimento deu-se do seguinte modo: desde muito novo habituara-me a lavar a cabeça com água fria pelo menos uma vez ao dia; subitamente acometido por uma dor dentes, atribuí-a a uma qualquer descompressão causada pela interrupção ocasional dessa prática; saltei da cama, mergulhei a cabeça numa bacia de água fria e, com o cabelo assim molhado, adormeci. Na manhã seguinte, escusado será dizer que acordei e tinha na cara e na cabeça lancinantes dores reumáticas, que não me deram tréguas durante uns vinte dias. Acho que foi no vigésimo-primeiro dia, um domingo, que saí para a rua; mais para fugir, caso fosse possível, aos meus tormentos, do que com o objectivo específico de obter alívio. Encontrei um conhecido meu da faculdade, que me recomendou ópio. Ópio! Agente temível de prazer e dor inimagináveis! Ouvira falar dele como ouvira falar de maná e de ambrósia, mais nada. Que som sem significado era o ópio, nesse tempo! E que cordas solenes faz hoje soar no meu coração! Como o abala com vibrações de memórias tristes e felizes!

2013/04/18


La vie est étrangement facile et douce avec certaines personnes d'une grande distinction naturelle, spirituelles, affectueuses, mais qui sont capables de tous les vices, encore qu'elles n'en exercent aucun publiquement et qu'on n'en puisse affirmer d'elles un seul. Elles ont quelque chose de souple et de secret. Puis, leur perversité donne du piquant aux occupations les plus innocentes, comme se promener la nuit, dans les jardins.

MARCEL PROUST, França,
in Fragments de Comédie Italienne, 1890


A vida é estranhamente fácil e meiga para certas pessoas de uma grande distinção natural, espirituais, afectuosas, mas capazes de todos os vícios, ainda que não exerçam nenhum publicamente e não se lhes possa atribuir um único. Têm algo de ligeiro e de secreto. Também, a sua perversidade confere picante às ocupações mais inocentes, como passear à noite nos jardins.

2013/03/31


Zaza, vêtue de taffetas bleu, joua un morceau que sa mère jugeait trop dificile pour elle et dont elle massacrait d'ordinaire quelques mesures; cette fois, elle les exécuta sans faute et, jetant à Madame Mabille un regard triomphant, elle lui tira la langue. Les petites filles frémirent sous leurs boucles et la réprobation figea le visage de ces demoiselles. Quand Zaza descendit de l'estrade, sa mère l'embrassa si gaiement que personne n'osa la gronder. A mes yeux, cet exploit la nimba de gloire. Soumise aux lois, aux poncifs, aux préjugés, j'aimais néanmoins ce qui était neuf, sincère, spontané. La vivacité et l'indépendance de Zaza me subjuguaient.

SIMONE DE BEAUVOIR, França,
in Mémoires d'une Jeune Fille Rangée, 1958


Zaza, vestida de tafetá azul, tocou um trecho que a mãe considerava demasiado difícil para ela e em que geralmente ela matraqueava algumas passagens; desta vez executou-as sem falha e, lançando  a Madame Mabille um olhar triunfante, deitou-lhe a língua de fora. Sob os cabelos encaracolados as meninas estremeceram e a reprovação gelou o rosto das preceptoras. Quando Zaza desceu do estrado a mãe beijou-a com tanta alegria, que ninguém ousou repreendê-la. Aos meus olhos, esta proeza coroou-a de glória. Submetida às leis, às rejeições, aos preconceitos, eu amava no entanto o que era novo, sincero, espontâneo. A vivacidade e a independência de Zaza subjugavam-me.

2013/03/04

Ana Cardoso, desenho - Lx, 1999

Missirilli, brûlant d'amour, mais songeant à sa naissance obscure et à ce qu'il se devait, s'était promis de ne descendre à parler d'amour que si Vanina restait huit jours sans le voir. L' orgueil de la jeune princesse combattit pied à pied. «Eh bien!» se dit-elle enfin, «si je le vois, c'est pour moi, c'est pour me faire plaisir, et jamais je ne lui avouerai l'intérêt qu'il m'inspire.» Elle faisait de longues visites à Missirilli, qui lui parlait comme il eût pu faire si vingt personnes eussent été présentes. Un soir, après avoir passé la journée à le détester et à se bien promettre d'être avec lui encore plus froide et plus sévère qu'à l'ordinaire, elle lui dit qu'elle l'aimait. Bientôt elle n'eut plus rien à lui refuser.

STENDHAL, França, in Vanina Vanini, 1829


Missirilli, cheio de amor ardente, pensando embora na sua origem obscura e no seu dever, prometera a si próprio não condescender e não falar de amor, a menos que Vanina ficasse oito dias sem o ver. O orgulho da jovem princesa travou uma luta cerrada. «Pois bem!» disse enfim, «se o vejo é por mim, é para me dar prazer, e nunca lhe confessarei o interesse que me desperta.» Fazia longas visitas a Missirilli, que lhe falava como falaria se vinte pessoas estivessem presentes. Uma noite, depois de ter passado o dia a detestá-lo e a prometer a si mesma ser para ele ainda mais fria e mais severa do que habitualmente, disse-lhe que o amava. Daí a não lhe recusar mais nada foi um passo.

2013/02/24

Passing stranger! you do not know how longingly I look upon you,
You must be he I was seeking, or she I was seeking, (it comes to me as of a dream,)
I have somewhere surely lived a life of joy with you,
All is recall'd as we flit by each other, fluid, affectionate, chaste, matured,
You grew up with me, were a boy with me or a girl with me,
I ate with you and slept with you, your body has become not yours only
nor left my body mine only,
You give me the pleasure of your eyes, face, flesh, as we pass, you take of my beard, breast, hands, in return,
I am not to speak to you, I am to think of you when I sit alone or wake at night alone,
I am to wait, I do not doubt I am to meet you again,
I am to see to it that I do not lose you.

WALT WHITMAN, U.S.A., To a Stranger, 1855



Estranho que passas! Não sabes a saudade com que te olho,
Deves ser aquele que eu procurava, ou aquela que eu procurava, (isto surge-me como saído de um sonho,)
Vivi de certeza contigo algures uma vida de alegrias,
Relembro tudo enquanto passamos rapidamente um pelo outro, naturais, afectuosos, castos, adultos,
Cresceste comigo, foste rapaz ou rapariga comigo,
Comi contigo e dormi contigo, o teu corpo não ficou só teu, nem deixou ficar o meu só para mim,
Dás-me o prazer dos teus olhos, rosto, carne, quando nos cruzamos, levas da minha barba, do meu peito, das minhas mãos, em troca,
Não devo falar-te, devo pensar em ti quando me sento só ou acordo à noite só,
Devo esperar, não duvido que voltarei a encontrar-te,
Tenho que ver se não te perco.

2013/01/19

Where are we going, Walt Whitman? The doors close in an hour. Which way does your beard point tonight?
(I touch your book and dream of our odissey in the supermarket and feel absurd.)
Will we walk all night through solitary streets? The trees add shade to shade, lights out in the houses, we'll both be lonely.
Will we stroll dreaming of the lost America of love past blue automobiles in driveways, home to our silent cottage?
Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher, what America did you have when Charon quit poling his ferry and you got out on a smoking bank and stood watching the boat disappear on the black waters of Lethe?

ALLEN GINSBERG, U.S.A.,
in A Supermarket in California, 1956


Onde vamos, Walt Whitman? As portas fecham daqui a uma hora. Para onde aponta esta noite a tua barba?
(Toco o teu livro e sonho com a nossa odisseia no supermercado e sinto-me absurdo.)
Vamos caminhar toda a noite por ruas solitárias? As árvores acrescentam sombra à sombra, as luzes apagam-se nas casas, ambos nos sentiremos sós.
Vamos dar uma volta e sonhar com a perdida América do amor, enquanto passamos pelos automóveis azuis nas entradas, a caminho da nossa pequena casa silenciosa?
Ah, querido pai, barba grisalha, professor-coragem velho e solitário, que América era a tua quando Charon deixou de levar o ferry e tu desembarcaste numa margem fumegante e ficaste de pé a ver o barco desaparecer nas águas negras do Letes?
(conclusão)

2013/01/17

I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber, poking among the meats in the refrigerator and eyeing the grocery boys.
I heard you asking questions of each: Who killed the pork chops? What price bananas? Are you my Angel?
I wondered in and out of the brilliant stacks of cans following you, and followed in my imagination by the store detective.
We strode down the open corridors together in our solitary fancy tasting artichokes, possessing every frozen delicacy, and never passing the cashier.

ALLEN GINSBERG, U.S.A.
in A Supermarket in California, 1956


Eu vi-te, Walt Whitman, sem filhos, velho solitário e desgrenhado, metido entre as carnes do frigorífico e a mirar os ajudantes.
Ouvi-te perguntar a cada um: Quem matou as costeletas de porco? A como são as bananas? És tu o meu Anjo?
Andei cá e lá entre as brilhantes pilhas de latas a seguir-te, e seguido na minha imaginação pelo vigilante da loja.
Percorremos os amplos corredores a passos largos, juntos a provar alcachofras na nossa fantasia solitária, a possuir todas as iguarias congeladas e sem nunca passar pela caixa.
(continuação)

2013/01/15

What thoughts I have of you tonight, Walt Whitman, for I walked down the sidestreets under the trees with a headache self-conscious looking at the full moon.
In my hungry fatigue, and shopping for images, I went into the neon fruit supermarket, dreaming of your enumerations!
What peaches and what penumbras! Whole families shopping at night! Aisles full of husbands! Wives in the avocados, babies in the tomatoes! - and you, Garcia Lorca, what were you doing down by the watermelons?

ALLEN GINSBERG, U.S.A.,
in A Supermarket in California, 1956


O que tenho pensado em ti esta noite, Walt Whitman, já andei sob as árvores nas ruas laterais com dor de cabeça e a olhar constrangido a lua cheia.
No meu cansaço faminto, à procura de imagens, entrei na frutaria de néon a sonhar com as tuas descrições!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras à noite a fazer compras! Corredores cheios de maridos! Esposas nos abacates, bebés nos tomates! - E tu, Garcia Lorca, o que fazias lá em baixo ao pé das melancias?
(continua)

2013/01/14

For does not the body stay alive
after death
and still need its underwear
or outgrow it
some organs said to reach full maturity
only after the head stops holding them back?
If I were you I'd keep aside
an oversize pair of winter underwear
Do not go naked into that good night
And in the meantime
keep calm and warm and dry
No use stirring ourselves prematurely
"over Nothing"
Move forward with dignity
hand in vest
Don't get emotional
And death shall have no dominion
There's plenty of time my darling
Are we not still young and easy
Don't shout

LAWRENCE FERLINGHETTI, U.S.A.
in Underwear, 1958


Pois não permanece vivo o corpo
depois da morte
e não continua a precisar de roupa interior
ou ela deixa de lhe servir
se, como dizem, certos órgãos só atingem a maturidade plena
depois que a cabeça pára de os reprimir?
Se fosse a ti, eu reservava
uma muda de roupa interior folgada para o Inverno
Não vás nua para a rua em plena noite
E entretanto
Mantém-te calma e quente e seca
Não vale a pena agitarmo-nos prematuramente
"por Nada"
Avança com dignidade
em pose solene
Não te enerves
E assim a morte não terá poder
Temos muito tempo querida
Ainda somos novos e alegres
Não grites

2013/01/13

 

Second Night in N.Y.C. after 3 Years (1962)
 
I was happy I was bubbly drunk
The street was dark
I waved to a young policeman
He smiled
I went up to him and like a flood of gold
Told him all about my prison youth
About how noble and great some convicts were
And about how I just returned from Europe
Which wasn't half as enlightening as prison
And he listened attentively I told no lie
Everything was truth and humor
He laughed
He laughed
And it made me so happy I said:
«Absolve it all, kiss me!»
«No no no no!» he said
        and hurried away.

GREGORY CORSO, U.S.A.


Segunda Noite em N.Y.C. ao fim de 3 Anos

Eu estava feliz estava efervescente e bêbado
A rua era escura
Acenei a um jovem polícia
Ele sorriu
Aproximei-me dele e numa enxurrada cintilante
Contei-lhe tudo sobre a minha juventude na prisão
Sobre alguns condenados tão grandes e tão nobres
E sobre o meu recente regresso da Europa
Que não esclarecia metade do que esclarecia a prisão
E ele ouviu com atenção eu não mentia
Ele ria
Ria
E aquilo pôs-me tão feliz que eu disse:
«Absolve isto tudo, beija-me!»
«Não não não não!» disse ele
          e afastou-se à pressa.

2013/01/01

 

As doces aves batendo as asas andavam buscando umas às outras; os pastores, tangendo as suas flautas e rodeados dos seus gados, começavam a assomar pelas cumeadas. Para todos parecia que vinha aquele dia assim ledo. Os meus cuidados sós vendo como vinha seu contrário (ao parecer poderoso) recolhiam-se a mim, pondo-me ante meus olhos para quanto prazer e contentamento pudera aquele dia vir, se não fora tudo tão mudado; donde o que fazia alegre a todas as cousas, a mim só teve causa de fazer triste.

BERNARDIM RIBEIRO, Portugal,
in "Menina e Moça", c. 1530
 

Neste monte mais alto de todos, que eu vim buscar pela suavidade diferente dos outros que nele achei, passava eu a minha vida como podia: ora em me ir pelos fundos vales que os cingem derredor, ora em me pôr do mais alto deles a olhar a terra como ia acabar ao mar, e depois o mar como se estendia logo após ela, para acabar onde o ninguém visse.

BERNARDIM RIBEIRO, Portugal,
in "Menina e Moça", c. 1530

Menina e moça me levaram de casa de meu pai para longes terras: qual fosse então a causa daquela minha levada, era pequena, não na soube.

BERNARDIM RIBEIRO, Portugal
in "Menina e Moça", c. 1530