2010/12/30


At dawn she lay with her profile at that angle
Which, when she sleeps, seems the carved face of an angel.
Her hair a harp, the hand of a breeze follows
And plays, against the white cloud of the pillows.
Then, in a flush of rose, she woke, and her eyes that opened
Swam in blue through her rose flesh that dawned.
From her dew of lips, the drop of one word
Fell like the first of fountains: murmured
«Darling,» upon my ears the song of the first bird.
«My dream becomes my dream,» she said, «come true.
I waken from you to my dream of you.»
Oh, my own wakened dream then dared assume
The audacity of her sleep. Our dreams
Poured into each other's arms, like streams.


STEPHEN SPENDER, U.K., Daybreak, c. 1947



Ao amanhecer está deitada com o perfil nesse ângulo
Que, adormecido, parece o rosto cinzelado de um anjo.
O cabelo é harpa, a mão da brisa segue-o
E toca, sobre a nuvem branca de almofadas.
Então, num assomo rosa, despertou, e os olhos que se abriram
Nadaram em azul por entre a rosada carne que amanhecia.
Do orvalho feito lábios, caiu a gota de uma palavra
Como a primeira das fontes: «Querido,» foi o canto
Que a primeira ave aos meus ouvidos murmurou.
«O meu sonho torna-se meu sonho,» disse, «feito realidade.
Acordo de ti para sonhar contigo.»
Ah, o meu próprio sonhar acordado ousou então alcançar
A audácia do sono dela. Os nossos sonhos
Correram para os braços um do outro, como cursos de água.

2010/10/09

William Butler Yeats, U.K., 1865-1939

Time that is intolerant Of the brave and the innocent, And indifferent in a week To a beautiful physique, Worships language and forgives Everyone by whom it lives; Pardons cowardice, conceit Lays its honours at their feet W. H. AUDEN, U.K. in "In Memory of W. B. Yeats", 1939 (posted by cyberiticus.blogspot.com) O tempo que não tolera Os bravos e os inocentes, E numa semana se desinteressa De um físico atraente, Venera a linguagem e perdoa A quantos ela segue; Perdoa a cobardia, e a vaidade Lança-lhes honras aos pés.

2010/08/16


«No, Lily, I didn't know. How could I tell?»
«That's part of it, you see. She just got three letters from college friends, and they're all busy acting like boys. She wants to try new things. Which for her means anything that isn't the missionary position.»
«... Why's it called the missionary position?»
«Because the missionaries,» said Lily, «told the natives to stop doing it like dogs and start doing it like missionaries.»
«Christ, the nerve of it. No, really. The nerve of it. Still. Fascinating.»

MARTIN AMIS, U.K, in The Pregnant Widow, 2010


- Não, Lily, não sabia. Como é que eu ia adivinhar?
- Faz parte, não vês? Ela recebeu três cartas de amigos da faculdade, que andam ocupadíssimos a ser rapazes. E quer experimentar coisas novas. O que para ela significa tudo menos a posição do missionário.
- Porque é que se chama posição do missionário?
- Porque os missionários - disse Lily, - diziam aos nativos que deixassem de fazer aquilo como os cães e passassem a fazer como os missionários.
- Céus, que lata. Realmente. Que lata. Mas ainda assim. Fascinante.

2010/07/18


Snout. Doth the moon shine that night we play our play?
Bottom. A calendar, a calendar! Look in the almanack; find out moonshine, find out moonshine.
Quince. Yes, it doth shine that night.
Bottom. Why, then may you leave a casement of the great chamber window, where we play, open; and the moon may shine in at the casement.

WILLIAM SHAKESPEARE, U.K.,
in A Midsummer Night's Dream, Act Three, Scene I (1594)



Snout. Há luar na noite em que representamos a nossa peça?
Bottom. Um calendário, um calendário! Vede no almanaque; procurai luar, procurai luar.
Quince. Sim, nessa noite há luar.
Bottom. Então podereis deixar uma portada da janela da grande câmara, onde representamos, aberta; e o luar há-de passar pela portada.

2010/06/07


A common response in surveys of religious attitudes is to say something like, «I don't go to church, but I have my own personal idea of God.» This kind of statement makes me in turn react like a philosopher. Soppy, I cry. You may have your own personal idea of God, but does God have His own personal idea of you? Because that's what matters. Whether He's an old man with a white beard sitting in the sky, or a life force, or a desinterested prime mover, or a clockmaker, or a woman, or a nebulous moral force, or Nothing At All, what counts is what He, She, It or Nothing thinks of you rather than you of them. The notion of redefining the deity into something that works for you is grotesque. It also doesn't matter whether God is just or benevolent or even observant - of which there seems startlingly little proof - only that He exists.

JULIAN BARNES, U.K.
in Nothing To Be frightened Of, 2008


Uma reacção comum em estudos sobre comportamentos religiosos é dizer algo do género: «Eu não vou à igreja, mas tenho cá a minha ideia de Deus.» Este tipo de afirmação faz-me reagir como filósofo. Lamechas, exclamo. Podes ter lá a tua ideia de Deus, mas Deus terá uma ideia sobre ti? Porque isso é que interessa. Seja Ele um velho de barbas brancas sentado no céu, uma força vital, uma causa primeira desinteressada, um relojoeiro, uma mulher, uma nebulosa força moral ou Absolutamente Nada, o que conta é a ideia que Ele ou Ela ou Uma Coisa ou Nada faz de nós e não a ideia que nós fazemos dela. É grotesca a ideia de transformar a divindade em algo que nos convém. Também não importa se Deus é benévolo ou mesmo atento ― a prova parece assustadoramente pequena. Importa é se Ele existe.

2010/05/12


Les dieux eux-mêmes meurent.
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains.

THÉOPHILE GAUTIER, França,
in Émaux et Camées, 1857




Os próprios deuses morrem.
Mas, soberana,
A poesia fica,
Mais forte do que o bronze.

2010/04/15


Thus shall my heart be still combined with thine
Until our bodies turn to elements,
And both our souls aspire celestial thrones.

CHRISTOPER MARLOWE,
in "Tamburlaine the Great", Londres, 1590



Assim ficará meu coração preso no teu
Até nossos corpos se tornarem elementos,
E nossas almas subirem aos celestes tronos.

2010/03/22


A body on the morning after love is a jungle of smells,
inexplorable as a swamp, its sex closed.
A city after two or three weeks of being lived in,
accumulating its more and more exasperated skyscrapers,
becomes a terrified hermaphrodite looking for itself.
Male endures, female forgets.

NATHANIEL TARN, U.S.A.
in Old Savage/Young City, 1964



Um corpo na manhã a seguir ao amor é uma selva de cheiros,
inexplorável como um pântano, de sexo fechado.
Uma cidade após duas ou três semanas de se viver nela,
de acumular arranha-céus cada vez mais exasperados,
torna-se um hermafrodita aterrado à procura de si mesmo.
O macho aguenta, a fêmea esquece.

2010/03/15


Close the portals; pile the hearth;
Strike the harp; the feast pursue;
Brim the horns: fire, music, mirth,
Mead and love, are winter's due.
Spring to purple conflict calls
Swords that shine on winter's walls.

THOMAS L. PEACOCK, U.K.,
in The Brilliancies of Winter, c. 1810




Fechai os portões; enchei o fogão;
Tocai a harpa; segui em festa;
Enchei as taças: lume, música, alegria,
Mel e amor são do Inverno.
A Primavera leva a luta acesa
Às espadas que brilham nos muros do Inverno.

2010/02/21


To the (Supposed) Patron - conclusion

For his delight and his capacity
To absorb, freshly, the inside-succulence
Of untoughened sacrifice, his bronze agents
Speculate among convertible stones
And drink desert sand. That no mirage
Irritate his mild gaze, the lewd noonday
Is housed in cool places, and fountains
Salt the sparse haze. His flesh is made clean.
For the unfallen - the firstborn, or wise
Councillor - prepared vistas extend
As far as harvest; and idyllic death
Where fish at dawn ignite the powdery lake.

GEOOFREY HILL, U.K.
in For the Unfallen, 1958



Ao (Suposto) Mecenas - conclusão

Para seu deleite e pela sua capacidade
De absorver, vigorosamente, o interior suculento
Do sacrifício destemperado, agentes brônzeos
Especulam entre calhaus descapotáveis
E bebem areia do deserto. Para que nenhuma miragem
Lhe irrite o brando olhar, o meio-dia lascivo
É acomodado em locais frescos, e há fontes
A salgar a névoa esparsa. A sua carne é limpa e preparada.
Para os que não sucumbiram – o primogénito, ou
Conselheiro sagaz – há vistas panorâmicas que se estendem
Mesmo até à colheita; e uma morte idílica, onde
Ao alvorecer os peixes incendeiam o lago empoeirado.

2010/02/17


To the (Supposed) Patron

Prodigal of loves and barbecues,
Expert in the strangest faunas, at home
He considers the lilies, the rewards.
There is no substitute for a rich man.
At his first entering a new province
With new coin, music, the barest glancing
Of steel or gold suffices. There are many
Tremulous dreams secured under that head.

GEOFFREY HILL, U.K.,
in For the Unfallen, 1958



Ao (Suposto) Mecenas

Pródigo em amores e em churrascos,
Especialista nas faunas mais esquisitas, em casa
Ele contempla lírios, galardões.
Nada há que substitua um homem rico.
Ao entrar pela primeira vez em território novo
Com a moeda nova, a música, basta
Do aço, do ouro o fulgor nu. Naquela cabeça
Estão presos muitos sonhos receosos.

2010/01/29



Dieu a fabriqué le monde comme une grande machine que sa seule sagesse pouvait inventer, que sa seule puissance pouvait construire. O homme! Il t'a établi pour t'en servir; il a mis, pour ainsi dire, en tes mains toute la nature pour l'appliquer à tes usages; il t'a même permis de l'orner et de l'embellir par ton art: car qu'est-ce autre chose que l'art, sinon l'embellissement de la nature? Tu peux ajouter quelques couleurs pour orner cet admirable tableau; mais comment pourrais-tu faire remuer tant soit peu une machine si forte et si délicate, ou de quelle sorte pourrais-tu faire seulement un trait convenable dans une peinture si riche, s'il n'y avait en toi-même et dans quelque partie de ton être quelque art dérivé de ce premier art, quelques secondes idées tirées de ces idées originales, en un mot, quelque ressemblance, quelque écoulement, quelque portion de cet Esprit ouvrier qui a fait le monde?

JACQUES-BÉNIGNE BOSSUET, França,
in "Sermon sur la Mort", 1662


Deus fabricou o mundo como uma grande máquina que só a sua sabedoria podia inventar, que só o seu poder podia construir. Ó homem! Instalou-te para dele te servires; pôs, por assim dizer, em tuas mãos toda a natureza para a aplicares nos teus trabalhos; até permitiu que a ornamentasses e embelezasses com a tua arte; pois o que é a arte, senão embelezamento da natureza? Podes acrescentar algumas cores para ornar esse quadro admirável; mas como poderias alterar, ainda que pouco, máquina tão forte e tão delicada, ou de que modo poderias fazer um só risco ajustado a tão rica pintura, se não houvesse em ti próprio e em alguma parte do teu ser uma arte derivada dessa primeira arte, ideias segundas tiradas das ideias originais, enfim, uma semelhança, um derivar ou porção desse espírito laborioso que fez o mundo?

2010/01/19


If you can still see how you could once have loved a person, you are still in love; an extinct love is always wholly incredible. One day not too long ago, in Laguna Beach, California, an architect named Bobby Lazar, went downtown to have a cup of coffee at the Café Zinc with his friend Albert Wong and Albert’s new wife, Dawn (who had, very sensibly, retained her maiden name). Albert and Dawn were still in that period of total astonishment that follows a wedding, grinning at each other like two people who have survived an air crash without a scratch, touching one another frequently, lucky to be alive. Lazar was not a cynical man and he wished them well, but he had also been lonely for a long time, and their happiness was making him a little sick.

MICHAEL CHABON, E.U.A., Ocean Avenue,
in “A Model World”, 1991


Se ainda conseguimos perceber como pudemos amar uma pessoa, ainda estamos apaixonados; um amor extinto é sempre totalmente inconcebível. Um dia, não há muito tempo, em Laguna Beach, Califórnia, um arquitecto chamado Bobby Lazar foi ao Café Zinc tomar um café com o amigo Albert Wong e a sua nova mulher, Dawn (que, muito sensatamente, mantivera o apelido de solteira). Albert e Dawn ainda se encontravam no período de completo assombro que se segue ao casamento, a sorrirem um para o outro como duas pessoas que sobrevivem a um desastre aéreo sem uma beliscadura e se tocam constantemente, felizes por estarem vivas. Lazar não era cínico e desejava-lhes tudo de bom, mas estava sozinho há muito tempo e a felicidade deles enjoava-o um bocado.

2010/01/12



Mir ist oft, daß ich fragen müßt:
Du, Mutter, was hast du gesungen,
eh deinem blassen, blonden Jungen
der Schlaf die Wangen warm geküßt?

Hattest du damals sehr viel Gram?
Und weißt du, wie du aufgesprungen,
wenn deinem blassen, blonden Jungen
im tiefen Traum ein Weinen kam?

RAINER MARIA RILKE, Áustria,
in "Erste Gedichte - Advent", 1898



Sinto por vezes vir-me esta pergunta:
Mãe, que cantavas tu,
antes que o sono beijasse as faces
do teu menino pálido e loiro?

Tinhas então muitos desgostos?
E lembras-te como saltavas assustada
quando em profundo sonho chorava
o teu menino pálido e loiro?

(tradução de PAULO QUINTELA, Portugal, 1942)

2010/01/04



Un jour d’épaules nues
Où les gens s’aimeront
Un jour comme un oiseau
Sur la plus haute branche.

LOUIS ARAGON, França, 1897-1972,
in "Un jour, un jour"



Um dia de ombros nus
Em que as pessoas se amarão
Um dia como um pássaro
Sobre o ramo mais alto.


(para Miguel von Gilsa, 1963-2008)

2010/01/01




E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente.
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.


LUÍS DE CAMÕES, Portugal,
in "Os Lusíadas", Canto IX, 1572