2008/02/25


As I rose like a lover from the ravished sea
My cold mouth stuffed with jewels and with sand,
The fire falling at my hair and hand,
(Her mother the moon waiting for the fee)
I saw you lying by the listening tree.

The infant pain lay sleeping at your side
Rocked by the naked fingers of the tide,
But you saw not my shaking ship, nor me.

I spread my swearing sea-charts at your knee
My rooted tongue burgeoning apes and roses
As noon the sally-port of morning closes,
My crew hallooing at the drunken quay.

My bonny barque was sundered at your door!
You smiled, for you had seen it all before.


CHARLES CAUSLEY, U.K.,
“To a Poet Who Has Never Travelled”, 1961




Quando ressurgi qual amante do mar que seduzi
Minha boca fria entupida de jóias e de areia,
Cobertos de fogo meus cabelos e a mão,
(E a lua sua mãe esperando o soldo)
Vi-te deitado ao pé da árvore da atenção.

A dor infantil jazia a teu lado
Embalada pelos dedos despidos da maré,
Mas tu não viste meu navio sacudido, nem me viste.

Estendo-te as suadas cartas de marear à altura do joelho
Minha língua funda florida de arremedos e de rosas
Enquanto o meio-dia encerra a porta falsa da manhã,
E pelo cais ébrio clama a minha tripulação.

Minha barca galante quebrou-se à tua porta!
Sorriste, pois já antes viras tudo isto.

2008/02/23
















FRANK STELLA, E.U.A.,
Severambia, 1995, (pormenor)

2008/02/21

If only we’d been strangers
we’d be floating off to Timor,
we’d be shimmering on the Trades
in a blue jersey boat
with shandies, flying-fish,
a pace of dolphins
to the copra ports.
And it's no use crying
to me, What dolphins?
for I know where they are
and I’d have snapped you up
and carried you away
snapped you up
and carried you away
if we had been strangers.

EDWIN MORGAN, U.K.,
in “Floating off to Timor”, 1969




Se ao menos fôssemos estranhos
flutuaríamos até Timor,
reflectiríamos o nosso brilho nos Negócios
num barco de malha azul
com cerveja e lima, peixes voadores,
à velocidade dos golfinhos
até aos portos do óleo de coco.
E não vale a pena dizeres-me
em lágrimas: Quais golfinhos?
porque eu sei onde estão
e agarrava em ti
e levava-te
agarrava em ti
e levava-te
se fôssemos estranhos.

2008/02/20
















FRANK STELLA, E.U.A.,
Severambia, 1995, (pormenor)
And yet, as I write, I remember the desert wind whipping up the green waters; the thin hard blue of the sky; enormous women rolling round the town in pale indigo cotton boubous; the shutters on the houses the same hard blue against mud-grey walls; orange bowerbirds that weave their basket nests in feathery acacias; gleaming black gardeners sluicing waters from leather skins, lovingly, on rows of blue-green onions; lean aristocratic Touaregs, of supernatural appearance, with coloured leather shields and shining spears, their faces encased in indigo veils, which, like carbon paper, dye their skin a thunder-cloud blue; wild Moors with corkscrew curls; firm-breasted Bela girls of the old slave caste, stripped to the waist, pounding at their mortars and keeping time with monotonous tunes; and monumental Songhai ladies with great basketshaped earrings like those worn by the Queen of Ur over four thousand years ago.

BRUCE CHATWIN, U.K.,
in "Gone to Timbuctoo", 1996



E assim mesmo, ao escrever, lembro-me do vento do deserto que fustiga as águas verdes; do azul fino e duro do céu; de mulheres enormes que deslizam pela cidade com boubous de algodão lilás; de casas com estores do mesmo azul duro contra as paredes de cinzento lama; de pássaros laranja que fazem os ninhos nas acácias, em ramos que parecem penas fofas; de reluzentes jardineiros negros a fazer jorrar água de bolsas de couro, amorosamente, sobre filas de cebolas verde-azuladas; de esguios e aristocráticos tuaregues, de aparência sobrenatural, com escudos de couro pintado e lanças brilhantes, rostos encobertos por véus roxos que, como papel químico, lhes tingem a pele do azul das nuvens de tormenta; de sarracenos bárbaros, com o cabelo enrolado como saca-rolhas; de raparigas Bela, da antiga casta de escravos, com seios nus e firmes, a malhar o pilão e a enganar o tempo com monótonas melodias; e das monumentais senhoras Songhai, com brincos fantásticos em forma de cestos, iguais aos que usava a rainha de Ur há mais de quatro mil anos.

2008/02/19

Out
of this
bright
sun, this
white plaque
of heaven,
this leaven-
ing heat
of the seven
kingdoms:
Songhai, Mali,
Chad, Ghana,
Tim-
buctu, Volta,
and the bitter
waste
that was
Ben-
in, comes
this shout
comes
this song.


EDWARD BRATHWAITE, BARBADOS,
in "Libation", 1979




Deste
sol
brilhante, desta
placa branca
do firmamento,
deste calor
transforma-
dor
dos sete
reinos:
Songai, Mali,
Chade, Gana,
Tim-
buctu, Volta,
e a perda
amarga
que foi
Be-
nim, sai
este grito
sai
este
canto.

2008/02/15












SOFIA AREAL, Portugal,
Retrato, 1993 (pormenor)
He descubierto en la simetría
la raiz de mucha iniquidad.

Pêro están sordos los serenos
y a las dos de la noche es honda la grieta del mundo.

¿A quién acudir?
En este pueblo no hay murciélagos
ni bebedores de limonada.

Por eso los palacios siguen incólumes
y en lo alto de la columna
se abanica la desvergüenza.


JOSE MORENO VILLA, ESPANHA,
"Caramba 85", in Carambas, 1930




Descobri na simetria
a raiz de muita iniquidade.

Mas estão surdos os serenos
e às duas da manhã é funda a fissura do mundo.

A quem acudir?
Nesta aldeia não há morcegos
nem bebedores de limonada.

Por isso os palácios continuam incólumes
e no alto da coluna
abana-se a desfaçatez.

2008/02/09


Thou whom I, tentative and
Unsure that anyone at all
Listens, turn to but only
Send this one word, this single
Syllable ― for what more can
I say, what other name send,
But this naming without a
Real name, this which is a
Sound like any sound ― tell, is
Word sent in return?
I hear
A voice speak.
Whose voice?
It is
A voice without name, saying
Again saying, "Is it thee
There?"
Answer me, is it Thou?


EDWARD LUCIE-SMITH, Jamaica, Thou, 1968




Vós para quem, hesitante e
Sem saber se alguém
Estará a ouvir, me volto mas só
Envio esta única palavra, esta simples
Sílaba ― pois que mais posso
Dizer, que outro nome enviar,
Senão esta designação sem
Nome verdadeiro, este que é um
Som como qualquer som ― dizei, há
Uma palavra, uma resposta?
Ouço
Uma voz falar.
Voz de quem?
É
Uma voz sem nome, a dizer
Novamente a dizer, "Sois vós
Que estais aí?"
Respondei-me, sois Vós?

2008/02/05


Invejo quem tem fé, mas não posso deixar de pensar que a minha religião particular, uma espécie de panteísmo urbano (devoção por pastéis de carne e boas livrarias e a crença de que há um deus, sim: o deus do oboé, que além de ser um instrumento divino é o que afina todos os outros), é a única sensata, em meio ao que não deixa de ser - se bem examinada - uma crise mundial do monoteísmo.

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO, BRASIL,
in Actual, Expresso nº1840, 2-2-2008

2008/02/03


There were mosques everywhere, their domes vivid blue or green, with the symbol of the crescent etched against the darkening blue sky. Everyone was at prayer, it seemed to me, a whole people five times a day praying as naturally as breathing.
In this country faith is absolute and universal. The choice, if there is a choice, is made at birth. Everyone believes. For these people, God is a near neighbour.

PAUL TORDAY, U.K., in "Salmon Fishing in the Yemen", 2007




Havia mesquitas por toda a parte, com cúpulas de azul ou verde intenso, com o símbolo do crescente gravado contra o céu azul que escurecia. Parecia-me que estavam todos em oração, um povo inteiro a rezar cinco vezes por dia, tão naturalmente como quem respira.
Neste país a fé é absoluta e universal. A escolha, se existe escolha, é feita à nascença. Toda a gente acredita. Para estas pessoas, Deus é um vizinho próximo.