Tomou todas as disposições para poder estar seguro e sossegado no sítio onde ia encontrar a prima: e o resto do dia, ansioso mas contente, ocupou-se de seus deveres militares, fatigou o corpo para descansar o espírito, e em parte e por bastantes horas o conseguiu.
Mas um dia de abril é imenso, interminável. E as últimas horas pareciam as mais compridas. Nunca houve horas tamanhas! Carlos já não tinha que inventar para fazer: pôs-se a pensar.
Que remédio!
Pensou nisto, pensou naquilo... uma ideia lhe vinha, outra se lhe ia. A imaginação, tanto tempo comprimida, tomava o freio nos dentes e corria à rédea solta pelo espaço...
Anéis dourados, tranças de ébano, faces de leite e rosas como de querubins, outras pálidas, transparentes, diáfanas como de princesas encantadas, olhos pretos, azuis, verdes... os de Joaninha enfim... todas estas feições, confusas e indistintas mas de estremada beleza todas, lhe passavam diante da vista, e todas o enfeitiçavam. O desgraçado... - Por que não hei-de eu dizer a verdade? - o desgraçado era poeta.
ALMEIDA GARRETT, Portugal,
in Viagens na Minha Terra, 1843
No comments:
Post a Comment