2013/01/19

Where are we going, Walt Whitman? The doors close in an hour. Which way does your beard point tonight?
(I touch your book and dream of our odissey in the supermarket and feel absurd.)
Will we walk all night through solitary streets? The trees add shade to shade, lights out in the houses, we'll both be lonely.
Will we stroll dreaming of the lost America of love past blue automobiles in driveways, home to our silent cottage?
Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher, what America did you have when Charon quit poling his ferry and you got out on a smoking bank and stood watching the boat disappear on the black waters of Lethe?

ALLEN GINSBERG, U.S.A.,
in A Supermarket in California, 1956


Onde vamos, Walt Whitman? As portas fecham daqui a uma hora. Para onde aponta esta noite a tua barba?
(Toco o teu livro e sonho com a nossa odisseia no supermercado e sinto-me absurdo.)
Vamos caminhar toda a noite por ruas solitárias? As árvores acrescentam sombra à sombra, as luzes apagam-se nas casas, ambos nos sentiremos sós.
Vamos dar uma volta e sonhar com a perdida América do amor, enquanto passamos pelos automóveis azuis nas entradas, a caminho da nossa pequena casa silenciosa?
Ah, querido pai, barba grisalha, professor-coragem velho e solitário, que América era a tua quando Charon deixou de levar o ferry e tu desembarcaste numa margem fumegante e ficaste de pé a ver o barco desaparecer nas águas negras do Letes?
(conclusão)

2013/01/17

I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber, poking among the meats in the refrigerator and eyeing the grocery boys.
I heard you asking questions of each: Who killed the pork chops? What price bananas? Are you my Angel?
I wondered in and out of the brilliant stacks of cans following you, and followed in my imagination by the store detective.
We strode down the open corridors together in our solitary fancy tasting artichokes, possessing every frozen delicacy, and never passing the cashier.

ALLEN GINSBERG, U.S.A.
in A Supermarket in California, 1956


Eu vi-te, Walt Whitman, sem filhos, velho solitário e desgrenhado, metido entre as carnes do frigorífico e a mirar os ajudantes.
Ouvi-te perguntar a cada um: Quem matou as costeletas de porco? A como são as bananas? És tu o meu Anjo?
Andei cá e lá entre as brilhantes pilhas de latas a seguir-te, e seguido na minha imaginação pelo vigilante da loja.
Percorremos os amplos corredores a passos largos, juntos a provar alcachofras na nossa fantasia solitária, a possuir todas as iguarias congeladas e sem nunca passar pela caixa.
(continuação)

2013/01/15

What thoughts I have of you tonight, Walt Whitman, for I walked down the sidestreets under the trees with a headache self-conscious looking at the full moon.
In my hungry fatigue, and shopping for images, I went into the neon fruit supermarket, dreaming of your enumerations!
What peaches and what penumbras! Whole families shopping at night! Aisles full of husbands! Wives in the avocados, babies in the tomatoes! - and you, Garcia Lorca, what were you doing down by the watermelons?

ALLEN GINSBERG, U.S.A.,
in A Supermarket in California, 1956


O que tenho pensado em ti esta noite, Walt Whitman, já andei sob as árvores nas ruas laterais com dor de cabeça e a olhar constrangido a lua cheia.
No meu cansaço faminto, à procura de imagens, entrei na frutaria de néon a sonhar com as tuas descrições!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras à noite a fazer compras! Corredores cheios de maridos! Esposas nos abacates, bebés nos tomates! - E tu, Garcia Lorca, o que fazias lá em baixo ao pé das melancias?
(continua)

2013/01/14

For does not the body stay alive
after death
and still need its underwear
or outgrow it
some organs said to reach full maturity
only after the head stops holding them back?
If I were you I'd keep aside
an oversize pair of winter underwear
Do not go naked into that good night
And in the meantime
keep calm and warm and dry
No use stirring ourselves prematurely
"over Nothing"
Move forward with dignity
hand in vest
Don't get emotional
And death shall have no dominion
There's plenty of time my darling
Are we not still young and easy
Don't shout

LAWRENCE FERLINGHETTI, U.S.A.
in Underwear, 1958


Pois não permanece vivo o corpo
depois da morte
e não continua a precisar de roupa interior
ou ela deixa de lhe servir
se, como dizem, certos órgãos só atingem a maturidade plena
depois que a cabeça pára de os reprimir?
Se fosse a ti, eu reservava
uma muda de roupa interior folgada para o Inverno
Não vás nua para a rua em plena noite
E entretanto
Mantém-te calma e quente e seca
Não vale a pena agitarmo-nos prematuramente
"por Nada"
Avança com dignidade
em pose solene
Não te enerves
E assim a morte não terá poder
Temos muito tempo querida
Ainda somos novos e alegres
Não grites

2013/01/13

 

Second Night in N.Y.C. after 3 Years (1962)
 
I was happy I was bubbly drunk
The street was dark
I waved to a young policeman
He smiled
I went up to him and like a flood of gold
Told him all about my prison youth
About how noble and great some convicts were
And about how I just returned from Europe
Which wasn't half as enlightening as prison
And he listened attentively I told no lie
Everything was truth and humor
He laughed
He laughed
And it made me so happy I said:
«Absolve it all, kiss me!»
«No no no no!» he said
        and hurried away.

GREGORY CORSO, U.S.A.


Segunda Noite em N.Y.C. ao fim de 3 Anos

Eu estava feliz estava efervescente e bêbado
A rua era escura
Acenei a um jovem polícia
Ele sorriu
Aproximei-me dele e numa enxurrada cintilante
Contei-lhe tudo sobre a minha juventude na prisão
Sobre alguns condenados tão grandes e tão nobres
E sobre o meu recente regresso da Europa
Que não esclarecia metade do que esclarecia a prisão
E ele ouviu com atenção eu não mentia
Ele ria
Ria
E aquilo pôs-me tão feliz que eu disse:
«Absolve isto tudo, beija-me!»
«Não não não não!» disse ele
          e afastou-se à pressa.

2013/01/01

 

As doces aves batendo as asas andavam buscando umas às outras; os pastores, tangendo as suas flautas e rodeados dos seus gados, começavam a assomar pelas cumeadas. Para todos parecia que vinha aquele dia assim ledo. Os meus cuidados sós vendo como vinha seu contrário (ao parecer poderoso) recolhiam-se a mim, pondo-me ante meus olhos para quanto prazer e contentamento pudera aquele dia vir, se não fora tudo tão mudado; donde o que fazia alegre a todas as cousas, a mim só teve causa de fazer triste.

BERNARDIM RIBEIRO, Portugal,
in "Menina e Moça", c. 1530
 

Neste monte mais alto de todos, que eu vim buscar pela suavidade diferente dos outros que nele achei, passava eu a minha vida como podia: ora em me ir pelos fundos vales que os cingem derredor, ora em me pôr do mais alto deles a olhar a terra como ia acabar ao mar, e depois o mar como se estendia logo após ela, para acabar onde o ninguém visse.

BERNARDIM RIBEIRO, Portugal,
in "Menina e Moça", c. 1530

Menina e moça me levaram de casa de meu pai para longes terras: qual fosse então a causa daquela minha levada, era pequena, não na soube.

BERNARDIM RIBEIRO, Portugal
in "Menina e Moça", c. 1530