2008/07/26


São hoje seis dias corridos do mês de Julho de 1866.
E eu tenho frio.
Estou na aldeia. A chuva estaleja nas vidraças e o vento assobia nos vigamentos. Os cabeços dos montes escondem-se nas névoas que vêm descendo, como em Janeiro, e se desfazem em aguaceiros glaciais. Agora deponho a pena para espirrar. Anuncia-se-me a décima quarta bronquite desta quadra de zéfiros, rouxinóis e flores.
Aqui estou, pois, numa terra onde não há estradas, nem gente, nem Verão. Moscas há mais que as da praga. Eis-me constituído um faraó desta canalha.

CAMILO CASTELO BRANCO, Portugal,
"Cousas Leves e Pesadas", 1866

2008/07/07


Pobres e minúsculas ilhas da solidão, coroadas de cagarros e de nuvens, onde a vida humana ainda tem, de quando em quando, o sabor dos primeiros dias da criação do mundo... Das espessuras oníricas da minha gaveta de bordo sonho-me corsário ou mercador. Abordamos a Porto Santo em pleno quarto de alva. Já se adivinha na escuridão do calado do paquete um vago livor de dia. O mar é tinta de escrever, mas já a ilha se adivinha abrupta, compacta, a uns quinhentos metros da escada do portaló.

VITORINO NEMÉSIO, Portugal,
in "Primeiro Corso", 1946