2008/06/27


In the Beginning the Earth was an infinite and murky plain, separated from the sky and from the grey salt sea and smothered in a shadowy twilight. There were neither Sun nor Moon nor Stars. Yet, far away, lived the Sky-dwellers: youthfully indifferent beings, human in form but with the feet of emus, their golden hair glittering like spiders’ webs in the sunset, ageless and unageing, having existed for ever in their green, well-watered Paradise beyond the Western Clouds.
On the surface of the Earth, the only features were certain hollows which would, one day, be waterholes. There were no animals and no plants, yet clustered round the waterholes there were pulpy masses of matter: lumps of primordial soup – soundless, sightless, unbreathing, unawake and unsleping – each containing the essence of life, or the possibility of becoming human.

BRUCE CHATWIN, U.K., in “The Songlines”, 1987





No Princípio a Terra era uma planície infinita e sombria, separada do céu e do salgado mar cinzento e oculta num crepúsculo vago. Não havia Sol nem Lua nem Estrelas. Porém, muito longe, viviam os Habitantes do Céu: seres com a indiferença da juventude, humanos na forma mas com pés de avestruz e cabelos dourados refulgindo ao pôr-do-sol como teias de aranha, sem idade e sem envelhecer, existindo desde sempre no seu Paraíso verde, bem regado, para lá das Nuvens Ocidentais.
Na superfície da Terra, as únicas particularidades eram certas covas que, um dia, seriam poços de água. Não havia animais nem plantas mas, agrupadas em volta dos poços de água, havia massas de matéria suculenta: grumos de sopa primordial - silenciosos, cegos, sem respirar, inconscientes e vigilantes - cada um contendo a essência da vida ou a possibilidade de se tornar humano.


2008/06/13


Ha socegos do campo na cidade. Ha momentos, sobretudo nos meio-dias de estio, em que, nesta Lisboa luminosa, o campo, como um vento, nos invade. E aqui mesmo, na Rua dos Douradores, temos o bom somno.

Bem sei: se ergo os olhos, está deante de mim a linha sordida da casaria, as janellas por lavar de todos os escriptorios da Baixa, as janellas sem sentido dos andares mais altos onde ainda se mora, e, ao alto, no angular das trapeiras, a roupa de sempre, ao sol entre vasos e plantas. Sei isto, mas é tam suave a luz que doura tudo isto, tam sem sentido o ar calmo que me involve, que não tenho razão sequer visual para abdicar da minha aldeia postiça, da minha villa de provincia onde o commercio é um socego.

FERNANDO PESSOA, Portugal,
in "Livro do Desassossego", 1933

2008/06/07


They doped the girls because it worked. East German swimmers won gold medals everywhere, the women especially. Not that Andrea had got to that level. When the Berlin Wall came down and the scandal broke, when they put the trainers, doctors, bureaucrats — the poisoners — on trial, her name wasn’t even mentioned. In spite of the pills, she hadn’t made the national team. The others, the ones who went public about what had been done to their bodies and their minds, at least had gold medals and a few years of fame to show for it. Andrea had come out with nothing more than a relay medal at some forgotten championship in a country that no longer existed.

JULIAN BARNES, U.K., “East Wind”,
in “The New Yorker” May 19, 2008




Eles drogavam as raparigas porque dava resultado. Os nadadores da Alemanha de Leste ganhavam medalhas em toda a parte, sobretudo as mulheres. Não que Andrea tivesse atingido esse nível. Quando o Muro de Berlim caiu e o escândalo rebentou, quando levaram a tribunal os treinadores, médicos, burocratas – os envenenadores –, o nome dela não foi sequer mencionado. Apesar das pílulas, não chegara à selecção nacional. As outras, as que tornaram público o que lhes tinha sido feito ao corpo e ao espírito, tinham ao menos medalhas de ouro e alguns anos de fama para mostar. Andrea acabara sem nada a não ser uma medalha de estafetas num campeonato esquecido dum país que já não existia.

2008/06/06


For the first time in history, a sizable and growing number of U.S. combat troops are taking daily doses of antidepressants to calm nerves strained by repeated and lengthy tours in Iraq and Afghanistan. The medicines are intended not only to help troops keep their cool but also to enable the already strapped Army to preserve its most precious resource: soldiers on the front lines. Data contained in the Army's fifth Mental Health Advisory Team report indicate that, according to an anonymous survey of U.S. troops taken last fall, about 12% of combat troops in Iraq and 17% of those in Afghanistan are taking prescription antidepressants or sleeping pills to help them cope.

MARK THOMPSON,
in "TIME" June 6, 2008




Pela primeira vez na história, um número crescente e muito elevado das tropas americanas em combate toma diariamente doses de antidepressivos para acalmar os nervos cansados dos giros demorados e repetidos no Iraque e no Afeganistão. Os medicamentos destinam-se não só a ajudar as tropas a manter a calma, mas também a permitir que o exército já desfalcado conserve o seu recurso mais precioso: soldados na linha da frente. Dados incluídos no quinto relatório da Equipa Consultora de Saúde Mental do Exército indicam que, segundo um estudo anónimo sobre as tropas americanas levado a cabo no passado Outono, cerca de 12% das tropas que combatem no Iraque e 17% das que se encontram no Afeganistão tomam antidepressivos ou comprimidos para dormir, receitados para as ajudar a enfrentar a situação.