2007/12/24

2007/12/23

NATAL CHIQUE

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado...
Só esse pobre me pareceu Cristo.

VITORINO NEMÉSIO, in "O Pão e a Culpa", 1955


2007/12/21


Je m'y suis vu moi-même; et sous une figure inconnue de moi, que mes écrits, peut-être, avaient formée. Vous n'ignorez pas, cher rêveur, que dans les songes, il se fait quelquefois un accord singulier entre ce que l'on voit et ce que l'on sait; mais ce n'est point un accord qui se suporterait dans la veille.

PAUL VALÉRY, França, in "Monsieur Teste", 1946



Vi-me a mim próprio nesse lugar; e com uma figura para mim desconhecida, que talvez os meus escritos tivessem formado. Você não ignora, caro sonhador, que nos sonhos se dá por vezes um acordo singular entre o que vemos e o que sabemos; mas é um acordo que não suportaríamos acordados.

2007/12/17












He continued to shoot ducks from the snowy sky, and felt pride in his marksmanship; yet beyond this lay a feeling he could grasp at but not contain. Every bird you downed bore pebbles in its gizzard from a land the maps ignored.

JULIAN BARNES, U.K., in "Arthur & George", 2005


Continuava a atirar aos patos no céu de neve e orgulhava-se da sua pontaria; mas, para lá disso, havia um sentimento que conseguia perceber mas não conter. Cada ave abatida trazia no papo pedrinhas de uma terra que os mapas ignoravam.

2007/12/16



NATAL

Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.


FERNANDO PESSOA, Portugal, in "Cancioneiro", 1914



2007/12/11


The train rocks and knocks across the simplified landforms of the tundra: Russia's great white page, awaiting the characters and sentences of history. No hills and valleys, just bumps and dips. Here, topographical variation is the work of man: gigantic gougings and scourings, and pyramids of slag. If you saw a mountain, now, a plateau, a cliff, it would loom like a planet.

MARTIN AMIS, U.K., in "The House of Meetings", 2006


O comboio abana e faz barulho através da tundra e da sua terra de formas simples: a grandiosa página branca da Rússia, que espera as personagens e as frases da história. Não há colinas e vales, só montes e declives. Aqui, a variação topográfica é obra do homem: covas e erosões gigantescas e pirâmides de escória. Se víssemos agora uma montanha, um planalto, uma escarpa, ela agigantar-se-ia como um planeta.

2007/12/01


«What´s the point», Richard asked, «of a farm nobody farms?»

JOHN UPDIKE, E.U.A., in "Of the Farm", 1965



«Que sentido é que faz», perguntou Richard, «uma terra de cultivo que ninguém cultiva?»